Qual deveria ser a atitude de Portugal em relação aos refugiados?
A posição do Governo em matéria de refugiados é vergonhosa. Andou a regatear a quota – que ainda assim não cumpre –, tendo até financiamento comunitário para isso. Portugal não poupa dinheiro nenhum por não receber refugiados e devia estar a dizer à Europa que a quota global de 40 mil refugiados é ridícula. Precisamos é de um cordão humanitário para as pessoas passarem. A Europa tem 500 milhões de habitantes, os refugiados todos representam menos de 0,05% da população. Devíamos era recebê-los todos e distribuí-los bem e Portugal devia estar a lutar por isso.
Qual seria a primeira medida de um governo em que o BE estivesse representado?
Reativar a contratação coletiva. É um termo que não diz muito às pessoas, mas a contratação coletiva abrangia dois milhões de trabalhadores, agora abrange 200 mil. Quer dizer que toda a gente fica numa relação de trabalho individual com o patrão e é isso que tem permitido todos os abusos e a precariedade. E há outra medida urgente: propor a reestruturação da dívida no Conselho Europeu. E, se isso não for aceite, avançar com o processo unilateralmente.
O BE diz que quer ser Governo, mas não poderá sê-lo com o seu programa eleitoral. Até que ponto está disposto a negociar?
O Bloco nunca trocará o seu compromisso com os eleitores por nenhum lugar no Governo. Com tantos partidos aí disponíveis para continuar com a austeridade, não precisam, aliás, da ajuda do Bloco. Agora, a nossa disponibilidade para a união é grande e somos talvez o único partido que nos últimos anos esteve em todos os momentos de união – do Congresso Democrático das Alternativas e das lutas sindicais ao pedido de fiscalização da constitucionalidade dos orçamentos do Estado. E fomos ao TC, com alguns deputados do PS, quando a direção do Partido Socialista e o PCPnem o queriam (na altura do primeiro orçamento deste Governo).
O que diz mostra que o BE consegue unir a esquerda na oposição. Mas está por provar que consiga fazer parte de uma solução de poder.
Isso é o que as pessoas irão decidir com o seu voto a 4 de Outubro. Até agora não existiu uma relação de forças que permitisse ao BE estar num governo. Esse cenário nunca se pôs até agora. O BE nunca faltaria a uma solução de esquerda no Governo do país.
O Bloco aposta num governo de salvação nacional para afastar a direita do poder?
Governo de salvação nacional é um nome péssimo, é um nome de governos de direita. O que precisamos é de um governo que seja uma alternativa à austeridade e para isso é preciso encarar os problemas de fundo que Portugal tem, para a sua viabilidade futura.
De que maneira?
Os dois grandes trabalhos de um governo de esquerda são travar a sangria de recursos para fora do país – pela via da dívida e da emigração – e reequilibrar o jogo para que quem viva do trabalho possa viver condignamente. O que define ser de esquerda é saber que o emprego e o salário são as primeiras condições de redistribuição da riqueza. Mas com estas linhas vermelhas – defender os recursos do país e defender o valor do trabalho – é possível criar um governo de esquerda.
Portugal consegue ser competitivo dentro do euro? Como?
É muito difícil, este euro não serve Portugal. Ninguém tem ilusões que este euro estrangula a economia portuguesa.
Acha que Portugal pode confrontar-se com a decisão de sair do euro na próxima legislatura?
O euro está numa situação muito frágil e seria um erro um governo não preparar o país para a possibilidade do fim da união monetária. Ela pode estar aí ao virar da esquina. E será trágico que essa saída se desse com um governo de direita. Se for um governo de direita, implicará uma austeridade multiplicada.
Como é possível a um governo de esquerda fazer muito diferente nesta União Europeia, com um Tratado Orçamental e uma maioria de governos de direita?
Impossível é decidirmos que o nosso país não é viável e que terá de ser uma colónia financeira da Alemanha, que é o que decide a direita. Nós não podemos desistir de ter uma vida digna aqui. Não devemos aceitar o colonialismo como uma inevitabilidade.
Mas como se faz na prática?
Outra coisa é saber se pelo consenso europeu é possível ter uma política alternativa à austeridade. Isso não é possível, só é possível por rutura. Isso está claro, podemos aprender com as lições da Grécia. É preciso fazer crescer as forças de rutura com o diretório alemão. Sem rutura, a política que fica é a do país inviável.
Essa rutura faz-se dentro do euro?
Sair do euro, por si, não é solução para nada, porque continuar a ter austeridade e uma dívida pública que leva os recursos todos do país é o pior de todos os mundos. Agora, é certo que, para preparar uma rutura com a austeridade, é preciso ter o país preparado para o rompimento com a união monetária. Se a austeridade é a moeda única, a moeda única não serve.
E como se faz dentro do Tratado Orçamental?
Isso é um bocadinho o discurso de ‘nada podemos fazer se não ser uma colónia alemã’. Isso é feito em todos os momentos da História por quem quer oprimir povos. Felizmente, a História também está cheia de povos que conseguiram combater essa opressão. O colonialismo não é o fim da História. E agora também não é.
E quais são as condições?
É preciso ser claro sobre a necessidade da rutura. Não vale dizer que se pode não ter uma política de austeridade e cumprir o Tratado Orçamental. Nós defendemos, por isso, que é preciso referendar o Tratado Orçamental, porque nos permite uma discussão de largo espectro em Portugal sobre as políticas de futuro e sobre o que é o colonialismo. E é preciso começar a preparar a reestruturação da dívida e a preparar o país para a saída da união monetária, se for preciso. Temos tido pessoas do BE envolvidas nessa preparação, não falamos de cor.
Na Grécia, depois do acordo com os credores, apoia a via de Tsipras ou está com Varoufakis? Quem esteve melhor?
Não entro nessas escolhas entre pessoas. Acho que aquele acordo, que é uma imposição, não devia ter sido aceite pela Grécia, porque é um mau plano para a Grécia e para a Europa. Alexis Tsipras esteve bem ao convocar eleições, porque não está a cumprir o seu programa eleitoral – em Portugal isso também devia ter sido feito. E não deixo de reconhecer a luta enorme do Syriza, sozinho na Europa, com os socialistas e sociais-democratas europeus a serem agentes da austeridade. Não se pode ser arrogante com uma luta tão difícil.