O amável Jerónimo

Jerónimo de Sousa está na política ativa desde a Assembleia Constituinte e isso nota-se. Não pelos cabelos brancos e outros sinais da idade que nos marcam a todos os que vivemos esse período, mas porque o seu discurso de hoje – e, sobretudo, a sua linguagem – pouco se distingue do de há quarenta anos.

No PCP, chamam a isto coerência. Na verdade, trata-se de sobrevivência. Para não ser levado pelos ventos que sopraram do Leste em finais dos anos 1980, o PCP colou-se à memória de um tempo épico de que foi um dos protagonistas e fez-se fiel depositário de todas as ilusões e utopias, bem como de todos os clichés do Processo Revolucionário Em Curso nos idos de 1974/75.

Nestes 40 anos, o mundo deu muitas voltas, mas o PCP manteve o seu discurso e a sua prática política, na esperança de que a roda da História viesse dar-lhe motivos para sorrir de novo. Como diz o povo – e talvez já o tenha dito Jerónimo, sempre pronto para lembrar um bom provérbio -, até um relógio parado dá horas certas duas vezes por dia.

Também o PCP, mantendo-se fiel à sua cartilha, ou à sua ‘coerência’, tem tido razão algumas vezes, dizendo e fazendo sempre o mesmo. É natural que, perante o triste espetáculo que o mundo hoje oferece, haja quem o veja com olhos diferentes dos de há três ou quatro décadas.

Ao atual secretário-geral, no cargo há 14 anos, é atribuída uma boa quota de responsabilidade nesta mudança de atitude perante os comunistas. Não porque a natureza das propostas e objetivos do partido se tenha alterado com o seu mandato, mas porque a agressividade de um deputado operário em tempo de revolução deu lugar à voz ponderada de um líder cauteloso que aprendeu a repetir o discurso de sempre, mas de um modo suave e empático.

Aos olhos dos seus adversários políticos e de boa parte do eleitorado, o PCP deixou de assustar e não só porque o comunismo ruiu: também porque tem na liderança alguém que, com os seus méritos e fragilidades, tem sabido conquistar simpatias. Um partido ao qual, olhando para o amável Jerónimo, se pode entregar sem risco de maior o voto de protesto.

Por tudo isto – e também, ou acima de tudo, pela sua influência real no mundo do trabalho – o PCP tem resistido ao assédio de que foi vítima à esquerda, com a concorrência do Bloco, sendo o secretário-geral tido como um grande ‘ativo’ eleitoral.

Quem viu o debate desta semana com a porta-voz do BE terá dificuldade em compreender porquê. Afinal, Jerónimo saiu completamente apagado, e de uma forma não raro penosa, do confronto com Catarina Martins.

Dizendo os dois praticamente o mesmo e ambos no tom cordato dos grandes amigos políticos, Catarina fê-lo com brilhantismo, Jerónimo com voz titubeante. É fraco nos frente-a-frente, já se sabia. Mas leva a palma na autenticidade com que se apresenta. Ou, então, é melhor fingidor.

PSL de fora

Nada impedia Pedro Santana Lopes de manter o país e os seus eleitores iludidos acerca da possível candidatura a Belém. E, assim, pelo menos baralhava a concorrência. Esperava pelos resultados das legislativas, ouvia o que os outros tivessem para dizer e, então, avaliava as suas hipóteses e comunicava a decisão. É o que fará Marcelo Rebelo de Sousa, conforme informou há muito, e também Rui Rio, que esta semana anunciou que em Outubro anunciará… Se bem que, na cabeça de um e de outro, a decisão possa estar mais do que tomada, como afirma Marques Mendes acerca de Marcelo. Santana não entrou nesse jogo. Dir-se-á que o fez porque, ao contrário dos outros dois, não tem nem esperava vir a ter o apoio de qualquer partido, sendo fracas as suas possibilidades. Mesmo assim, escolheu o seu tempo em vez de ir a reboque e, só por isso, marcou pontos.

Topete

O Novo Banco arrancou com 4,9 mil milhões de euros de capital, dos quais 3,9 mil milhões emprestados pelo Estado, e herdou do antigo BES apenas os bons negócios e os créditos tidos por seguros. Por isso lhe chamaram o ‘banco bom’. Um ano depois – e logo na semana em que estava para ser vendido – apresenta prejuízos superiores a 250 milhões de euros. Não surpreende a dificuldade de convencer os promitentes compradores a desembolsarem dinheiro bastante para que a venda não seja um fiasco total. O vendedor é o Banco de Portugal, já que o Governo, desde o início desta história, se escondeu atrás dele, lavando as mãos como Pilatos. Pois esse mesmo Governo que tanto quis poupar-se a arrelias, não se coíbe agora de, pela voz do ministro da Economia, criticar indiretamente o BP por não resolver o assunto “mais cedo do que tarde”. É preciso topete!