Paulo, o jogador compulsivo

Paulo Portas fez esta pergunta aos apoiantes que o ouviam num comício da coligação em Setúbal: para cuidar das nossas finanças, preferem Maria Luís Albuquerque ou Mário Centeno? É uma pergunta tão legítima como qualquer outra, embora um tanto despropositada, porque os termos de comparação não se equivalem.

Maria Luís está no Governo desde 2011 e é ministra das Finanças há mais de dois anos, pelo que não faltam aos eleitores dados para avaliarem o seu  desempenho  e  até  a  sua  personalidade; Mário Centeno é um economista desconhecido do grande público que, embora tenha responsabilidades no programa económico do PS, não se sabe sequer se será ministro, caso os socialistas cheguem ao poder.

Todavia, a pergunta tem importância, menos pelo aplauso que pretendia obter e obteve da audiência e mais pelo que revela do perguntador.

Toda a gente sabe e tem presente que Maria Luís Albuquerque ascendeu a ministra por escolha de Passos Coelho e contra a vontade declarada de Portas, o qual, exatamente por se opor à sua nomeação, se demitiu do Governo de forma ‘irrevogável’ no verão de 2013.

Com essa demissão, revogada pela insistência do primeiro-ministro, que se lhe opôs prontamente, e pelo instinto de sobrevivência do CDS, que percebeu, melhor do que o líder, que o derrube do Governo naquele momento corresponderia ao seu suicídio coletivo, a coligação e o país enfrentaram o momento mais crítico de toda a legislatura.

Caso Portas tivesse mantido a decisão anunciada – e comunicada por escrito, o que pressupõe reflexão e ponderação das consequências previsíveis -, lá se ia a estabilidade política com que tanto se preocupa hoje e que então era ainda mais necessária, bem como a ‘saída limpa’ de que tanto se ufana.

Como se, naquele verão decisivo, não tivesse sido ele quem, com a sua atitude irresponsável de jogador compulsivo, mais pôs em causa esses objetivos. Sem a resistência de Passos, que teve o bom senso e a lucidez, para não comprometer o essencial, de ceder aos caprichos de um parceiro problemático desde a primeira hora, o mais provável seria continuarmos hoje como o ‘protetorado’ formal que Portas dizia abominar.

Recorda-se a já muito discutida e glosada cena do ‘irrevogável’, bem como as ameaças que então pendiam sobre o país, porque ela é uma espécie de ‘momento Syriza’ do mesmo Paulo Portas que se esforça por colar ao Syriza e ao destino da Grécia todos os que contestam as políticas da coligação.

E também porque a cena em causa teve a sua origem na indigitação de uma ministra das Finanças a quem o líder do CDS não reconhecia estatuto, nem talvez competência, para o desempenho do cargo, mas que agora apresenta como um poderoso trunfo eleitoral.

Dir-se-á que lhe descobriu, entretanto, méritos que então ignorava, razão por que surge a fazer campanha, como se nada tivesse acontecido, por quem desconsiderou há dois anos. Mas podia – e talvez devesse – ter assumido antes o reconhecimento público dessa mudança de opinião para que a sua colagem de hoje não soasse a falso, ou ao pagamento de um tributo. Sendo um jogador exímio na arte da sobrevivência, Portas sabe que a coligação em que agora concorre o salvou de um desastre político calamitoso que seria, com toda a probabilidade, a candidatura a estas eleições sem o resguardo do PSD.

 

Um lapso suspeito

O défice de 2014 subiu para valores de 2011 com a conta do BES. O défice de 2015 chegou aos 4,7% do PIB no primeiro semestre, quando o Governo prometeu que irá ficar nos 2,7%. A dívida pública aumentou 1.300 milhões de euros de junho para julho. São notícias desta semana que deviam arrasar a coligação. Todas mostram que, estando o país melhor do que as pessoas, como dizia Luís Montenegro, está bem pior do que Passos e Portas o pintam.

Tivemos ainda a estranha gafe dos cinco mil milhões que Portugal ia devolver ao FMI, mas afinal não vai, o que obrigou Passos a desmentir-se da manhã para a tarde. Um lapso tão difícil de compreender que se tornou suspeito. Mas, a avaliar pelas sondagens, já nada parece prejudicar a campanha à direita.

 

… e uma ‘branca’ fatal

António Costa partiu para a campanha apetrechado com um programa sério e devidamente fundamentado a fim de que os seus compromissos não se confundissem com promessas vãs.

Era o seu melhor trunfo eleitoral, mas só lhe tem trazido dissabores, pois veio a revelar-se também o melhor trunfo eleitoral da coligação: na falta de programa próprio, esta dedicou-se a atacar o do PS, interpretando-o a gosto e segundo a sua conveniência.

Como se não bastasse, uma ‘branca’ de António Costa, que não soube explicar como poupará 250 milhões por ano em prestações não contributivas e em que é que isso difere dos cortes pelos quais critica o Governo, deixou-o exposto e fragilizado. Se à direita nada a afeta, ao PS já tudo o prejudica.