A vitória [quase] impossível

Em comparação com as legislativas de há quatro anos, a coligação eleitoral de Passos e Portas deixou fugir precisamente os 11,7%  que o CDS recebera em 2011. Mais concretamente, 727 mil eleitores abandonaram agora o voto na coligação. O que é muito, se considerarmos que cerca de 25%, ou seja, um em cada quatro votantes do…

Mas esta transferência de mais de 700 mil votantes também pode ser vista como limitada (ou mesmo diminuta, tendo em conta as piores expectativas), se pensarmos que se seguiu a três anos de duríssima austeridade (corte de salários e de pensões, desemprego, enorme aumento de impostos) levada à prática pelo Governo PSD/CDS. E se ponderarmos que, ainda no início do verão, as sondagens colocavam o PS bem à frente nas intenções de voto.

Acresce que, nos últimos anos, todos os Governos europeus obrigados a aplicar nos seus países políticas de austeridade não resistiram no poder assim que foram avaliados em eleições. Foi o que aconteceu na Grécia (com os colapsos eleitorais do Pasok e da Nova Democracia), em Itália (com a queda de Berlusconi e de Monti), em França (com a derrota de Sarkozy e a ascensão do PS em 2012), na Irlanda (com o histórico afastamento em 2011 do Fianna Fail, no poder há quase 30 anos, e com eleições marcadas para  2016) ou em Espanha (onde o PP de Rajoy substituiu o PSOE e irá a votos em dezembro próximo).

O Governo de Passos Coelho foi o primeiro na Europa a resistir ao desgaste de uma intervenção da troika e dos programas de austeridade, vencendo de novo eleições. Obtendo uma vitória que ainda há poucos meses a maioria dos portugueses considerava improvável ou mesmo impossível.

Maiores perdas de votos no sul e em Lisboa

E a verdade é que a coligação PSD/CDS perdeu a maioria absoluta, mas ainda ficou 300 mil votos e 6,2% à frente do PS. Perdeu 25 deputados (19 do PSD e 6 do CDS) mas somou 107 eleitos, mais 21 do que o PS. Em suma, venceu claramente as legislativas – contra todas as apostas e profecias. A coligação de centro-direita triunfa em praticamente todos os concelhos a norte do rio Tejo (ver Mapa na pág. 13) e regista os melhores resultados nas suas tradicionais zonas de domínio: no Minho (Braga e Viana do Castelo), no Litoral Centro (Aveiro e Leiria) e no Interior Centro (Viseu e Vila Real).

Em contrapartida, as perdas mais severas da coligação Portugal à Frente ocorrem em todo o sul do país, com as mais fortes penalizações nos distritos de Setúbal e Faro, mas também em Beja. E a descida em Lisboa (onde PSD e CDS perdem 150 mil votantes) é mais acentuada do que no Porto (menos 100 mil). Ao mesmo tempo, os resultados nas Ilhas são também dos mais negativos, com quebras acima dos 30% dos votantes de 2011. E com a perda de dois deputados na Madeira (um deles para o Bloco) e um nos Açores.

Reflexo destes péssimos resultados em todos os círculos eleitorais do sul é a transferência de votos da coligação PSD/CDS [ver gráfico com urna de voto nesta página]. Cerca de 400 mil votantes de 2011, provavelmente zangados com a austeridade e a baixa do nível de vida nestes quatro anos, refugiaram-se agora na abstenção.

E outros 300 mil, mais determinados ainda na sua mudança de voto, escolheram agora a alternativa dada por António Costa e o PS (160 mil) ou, em números também significativos, pelo Bloco de Esquerda (120 mil). Perto de 50 mil votantes do centro-direita em 2011 preferiram reforçar os pequenos partidos.

Pode dizer-se que foi uma sangria de votos controlada. E uma vitória eleitoral que parecia, à partida, impossível.

jal@sol.pt