O trauma de Catarina Martins e a comédia de São Bento versão Costa

1. É inacreditável: António Costa continua a alimentar a ideia surreal de um Governo frentista de esquerda, com PS, Bloco de Esquerda e Partido Comunista. Para muitos, foi uma surpresa a incapacidade de analisar a realidade e a falta de humildade democrática revelada por António Costa: o PS de Costa obteve um resultado muito poucochinho…

2. E em António Costa esta postura de negar a evidência, de não aceitar a vontade de cerca de 40% do eleitorado é ainda (muito) mais censurável: trata-se da mesma personagem política que, tendo em conta os resultados eleitorais das eleições europeias, exigiu a demissão de António José Seguro. Porque o anterior líder do PS ganhou as eleições! É certo que estas atitudes de António Costa mostram um padrão: a sua incapacidade, endémica e natural, de aceitar os resultados do eleitorado com os quais não concorda. Parece até que António Costa arroga para si um privilégio especial de interpretar os resultados eleitorais democraticamente expressos à sua maneira ou de acordo com os seus desejos. Mas em democracia, não há isso: não há privilégios especiais. Ninguém tem o poder de converter derrotas eleitorais em vitórias: nem mesmo António Costa.

3. O que aconteceu, então, nos últimos dias? Algo espantoso e trágico para Portugal. Um verdadeiro teatro, um jogo de sombras, em que todos fingem. Em que todos – desde António Costa a Catarina Martins, passando por Jerónimo de Sousa, embora este último tenha sido o mais sensato – estão a fingir assumir posições políticas em que ninguém, nem mesmo os próprios, acreditam. Senão, vejamos.

4. Catarina Martins, com ar esfíngico, afirmou que o Governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas acabou ontem, abrindo a porta a um Governo de coligação formada com o PS de António Costa. Porquê? Porque Catarina Martins se deixou encantar com o brilhozinho nos olhos de António Costa? Não. Apenas por uma razão: taticismo político. O Bloco de Esquerda ainda tem bem presente o trauma de 2011: para a História ficou que Francisco Louçã, líder do Bloco de Esquerda, foi o responsável pela ascensão ao poder de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. O Bloco de Esquerda foi reduzido a uma expressão eleitoral mínima no ato eleitoral daquele ano.

5. Ou seja: o Bloco de Esquerda quer evitar a todo o custo a repetição do que sucedeu em 2011. O Bloco de Esquerda não quer voltar a ficar responsável pela atribuição do poder à coligação de centro-direita. Seria o seu fim político definitivo – e assim como a ascensão ao poder de Pedro Passos Coelho determinou o fim da liderança de Louçã, Catarina Martins tem medo que negar um Governo com António Costa, mantendo Passos Coelho e Paulo Portas, seja o seu epitáfio político.

6. Em conclusão: Catarina Martins genuinamente não quer formar Governo com António Costa – e não quer, ao mesmo tempo, que PSD e CDS formem Governo. Logo, Catarina Martins não pode dizer "não"“a António Costa; tem de mostrar publicamente a sua disponibilidade para se coligar com o PS de Costa para não ficar com o peso da responsabilidade de viabilizar, pela negativa, o Governo de Passos Coelho e Paulo Portas; tem de quebrar o mito do BE como força política meramente negativa, até para retirar espaço político ao Livre e a outros movimentos ou grupúsculos que dividem a extrema-esquerda; e, por último, passar a “batata quente” para o Partido Comunista.

7. Catarina Martins faz tudo o que elencámos atrás com um desejo: que o PS ou o Partido Comunista digam “não”, não estamos disponíveis para um Governo frentista devido a divergências insanáveis com os socialistas ou os trotskistas. Neste cenário, na lógica de Catarina Martins, o trauma do Bloco de Esquerda de 2011 converter-se-ia em trauma do Partido Comunista de 2015 – e seria o Partido Comunista que ficaria responsável pela manutenção de Passos e Portas no Governo, fragilizando a sua posição (irreversivelmente?) no sistema político-partidário português.

8. Em conclusão: desde António Costa até Catarina Martins, os esquerdistas, por convicção ou por conveniência (é o caso de António Costa, que revela um oportunismo político atroz mais uma vez), estão todos a brincar às politiquices. Todos! Quem ganha? Ainda não sabemos. Quem perde? Já todos sabemos. Perdemos nós, os portugueses. Perdemos nós, os de sempre e do costume – o chamado “Zé Povinho”, o Povo, que não tem culpa de nada, que deu uma prova de trabalho e sacrifícios em nome da nossa Pátria louvável e muito meritória, que agora pode não servir para nada devido às conta e continhas eleitorais dos extremistas de esquerda.

9. Por favor, António Costa e Catarina Martins: não brinquem connosco! Não estraguem a vida aos portugueses, aos trabalhadores portugueses, aos empresários portugueses, às famílias portuguesas apenas porque querem blindar as vossas posições políticas e não querem assumir a derrota.

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