Se António Costa quiser que o grupo parlamentar socialista vote a prometida moção de PCP e BE para a rejeição do governo de Passos Coelho, pode ter um problema. Os deputados comunistas e bloquistas somam 36 e são precisos mais 80 para totalizar a maioria absoluta de 116 deputados – a que a Constituição obriga – para derrubar o governo. Com 86 deputados eleitos, Costa precisa de garantir que não haja pelo menos sete ‘dissidentes’ na bancada.
Mas são 15 os deputados eleitos na quota segurista que, na sua maioria, preferem que o PS apoie um governo da coligação em vez de se associar à extrema-esquerda. Só que há outros fatores a pesar na balança e, no núcleo duro desta ala, há quem faça cálculos à determinação de cada um. Por exemplo, Alberto Martins é apontado pelos seguristas para a presidência da Assembleia da República e não quererá contribuir para a instabilidade do partido. “Vai haver muita pressão e estão enganados os que acham que será fácil ‘entalar’ Costa”, diz um dirigente socialista. A imprevisibilidade é elevada: tudo se poderá decidir por três ou quatro deputados que transitem para um lado ou para o outro da barricada.
A ameaça de expulsão
Na direção do PS, a pressão vai ser altíssima para que não haja deputados desalinhados. Na votação de moções de censura ou confiança, orçamentos do Estado e compromissos internacionais, os deputados estão obrigados a disciplina partidária. “Em matérias essenciais para a governação, o partido votará sempre em uníssono”, garante ao SOL fonte da direção.
Caso contrário, os deputados correm o risco de ser alvo de sanções disciplinares que podem levar à expulsão do partido. Apesar de o mandato de deputado não poder ser retirado, poderão ficar no Parlamento como independentes, sem o apoio do grupo parlamentar. E na direção de Costa confia-se que nenhum socialista queira arriscar. “Quando alguém viola a disciplina partidária, há uma última consequência: sair do PS. Ninguém vai querer isso”, acredita a mesma fonte.
E se houver um referendo interno no PS, como chegou a noticiar o DN, e acabar por ter a aceitação da maioria dos socialistas, a pressão também será mais elevada sobre este grupo de deputados.
As motivações contra uma frente de esquerda, porém, excedem a minoria segurista. Setores do PS – que têm expressão mesmo no inner circle do secretário-geral – veem com preocupação esta estratégia de Costa, pelos riscos que comporta. À margem de questões ideológicas, há quem tema que o PCP ‘tire o tapete’ aos socialistas à primeira oportunidade, pagando o partido nas próximas eleições o ónus de ter falhado a missão de assegurar a estabilidade política.
E se o PCP ‘tirar o tapete’?
Ascenso Simões chamou a atenção para os riscos de um acordo com o PCP, com os comunistas fora do Governo. “Deve [o PS] assumir os riscos de uma gestão dificílima em que, sem qualquer linha de contacto à direita, se confrontaria, logo no primeiro orçamento, com o inevitável aumento da despesa e a circunstância previsível de incumprir as obrigações europeias?” – questionou ontem o ex-diretor de campanha de Costa e cabeça de lista por Vila Real. Num texto no Facebok, intitulado ‘A última decisão que o PS pode vir a tomar’, conclui: “O PS é um partido, não um laboratório. Cada decisão marca, com sangue, o futuro”.
Já a cabeça de lista por Coimbra, Helena Freitas, é uma independente que tem demonstrado não estar totalmente alinhada com a direção: primeiro ao apoiar a candidatura de Maria de Belém e depois ao preferir uma solução de governo liderada pela coligação. “Passos Coelho ganhou as eleições e tem todo o direito a governar. É assim que interpreto a vontade dos portugueses, respeitando a perceção prevalecente na nossa democracia”, escreveu no Facebook.
Sérgio Sousa Pinto discorda da estratégia seguida de aproximação à extrema-esquerda – o que levou à sua demissão do Secretariado Nacional – e já deu provas de que não teme pressões. Num texto publicado no Facebook, afastou as críticas de “anticomunismo” de que tem sido alvo para dizer que PCP e BE não querem ir para o Governo. “Querem um Governo fraco do PS, para derrubarem quando for oportuno”, escreveu.
Uma das preocupações que vão na alma de muitos socialistas é assumida pelo ex-líder da JS. Se PCP e BE ‘tirarem o tapete’ ao PS, teme-se uma reedição de 1987, quando Cavaco chegou ao poder e lá ficou por 10 anos, após uma moção de censura ao Governo pela esquerda. “A direita terá a sua maioria absoluta. Que guardará por muitos anos. Enquanto o país se lembrar dos dias que estamos a viver”, vaticina.
Assis reserva-se para líder
Francisco Assis, o rosto da oposição interna do PS, mostrou-se disponível para o futuro do partido e moderou o discurso do Bloco Central. “Sou um homem disponível sempre para assumir as minhas responsabilidades”, disse, numa entrevista à RTP3. O eurodeputado disse que a liderança de António Costa não está em causa, para já, mas que só disputará o partido em “condições excecionais”. Apesar de defender que deve ser a coligação a formar Governo – apontando as diferenças entre a esquerda do PS e a extrema-esquerda -, Assis põe de lado o Bloco Central, uma solução que já apoiou: “Não vejo utilidade de um pré-acordo com a direita”.