No domingo das eleições, quando foi para casa à noite, o que esperava que acontecesse nos dias a seguir? Uma rápida tomada de posse?
Eu e todas as pessoas que foram para casa esperavam e continuam a esperar que o candidato a primeiro-ministro que manifestamente ganhou as eleições seja o futuro primeiro-ministro. É o mínimo que se pode esperar de uma democracia: que quem ganhou possa constituir governos e tenha condições para exercer o seu mandato.
Disse que seria uma “obscenidade política” um governo do PS com apoio de PCP e BE. Acredita que ainda há condições para que isso venha mesmo a acontecer?
Se por absurdo acontecesse, seria uma aliança contrademocrática. Não devia nem podia acontecer. O que une PS, PCP e BE? O instinto de sobrevivência de António Costa, talvez. A vontade de não terem um governo liderado pelo PSD e pelo CDS. Os três partidos têm diferenças abissais e fraturantes em relação à forma como encaram a União Europeia, o euro, o tratado orçamental e as nossas responsabilidades perante a dívida. A única grande motivação que levaria esses três partidos a juntarem-se num governo seria contrariar a vontade eleitoral que deu a vitória a Passos Coelho e a Paulo Portas.
Acredita que António Costa quer mesmo governar com PCP e BE?
Não sei. A verdade é que aquilo que seria expectável é que um líder derrotado de uma forma tão clara como a do dia 4 de outubro tivesse assumido as suas responsabilidades e iniciado ele próprio um período de clarificação dentro do PS. Os discursos de António Costa desde então têm-se caracterizado pela volatilidade, num estilo ziguezagueante. Não acredito que o Presidente da República (PR) legitime uma obscenidade política com essas características. Não deve sequer dar espaço político para que essa fantasia seja experimentada. Houve 70% dos portugueses a dizer que não queriam António Costa como líder de governo, houve 90% dos portugueses a dizer que não queriam o BE e o PCP. Seria bizarro que estes partidos encontrassem uma maneira completamente artificial de irem parar todos ao Governo.
Ainda é possível um entendimento com o PS? Ou do lado de António Costa não passou tudo de uma encenação?
Se é uma encenação, é muito perigosa. António Costa anda a brincar com o fogo e devia ter a noção de que três derrotados somados não fazem um vencedor. O único vencedor político a 4 de outubro foi a coligação e Passos Coelho é o único político que tem legitimidade para formar um governo. Creio que será isso que vai acabar por acontecer. Já são conhecidos os resultados eleitorais, a coligação tem 107 deputados , mais de 48% dos deputados são da coligação. Não me restam muitas dúvidas de que Passos Coelho será indigitado como primeiro-ministro (PM) e formará um governo.
Mas sem um acordo com o PS?
Essa é uma questão que, se não for resolvida antes, será clarificada no próprio Parlamento. No final, na Assembleia da República, cada um terá de assumir as suas responsabilidades.
António Costa esteve de boa-fé nestas negociações?
António Costa está numa luta pela sua própria sobrevivência política. As pessoas estão a olhar para o comportamento de Costa com um sentimento de grande angústia e até de medo. O pior que podia acontecer para um país que precisa de dar continuidade à recuperação económica é ficar refém de uma coligação negativa de esquerda.
Assusta-o estar a ser discutido um Governo com partidos como o BE e o PC?
Dá que pensar. Do ponto de vista económico, a área de que estou mais próximo, é um cenário assustador. Como não acredito que se vá concretizar, não estou muito preocupado, mas não deixa de ser perturbador que um líder de um partido democrático que perdeu as eleições possa passar dias e noites a teorizar sobre esse cenário.
O documento com o pedido detalhado de informação enviado pelo PS tem resposta? Ou é para inviabilizar qualquer acordo?
A perceção que se tem é que o PS está a usar todos os pretextos para desconversar. E nesse sentido a tomada de posição do PM foi importante. Só faz sentido prosseguir conversações, e da parte da maioria há espírito aberto para que possam prosseguir, se existir de parte a parte uma agenda que centre a discussão e permita chegar a uma conclusão. É isso que se espera de duas forças políticas diferentes que aceitam sentar-se para conversar e com boa-fé. Quando essa boa-fé não existe desconversa-se. Evita-se a definição de uma agenda para que no final o resultado seja inconclusivo.
O que espera agora que o Presidente faça?
Que oiça os partidos, que indigite o líder da coligação para formar governo e depois dê posse ao governo. E que depois se use o espaço parlamentar para fazer as clarificações que eventualmente ainda sejam necessárias. Não acredito que o Presidente indigite outra pessoa que não seja Passos Coelho para formar governo. Qualquer outra solução seria uma experiência terceiro-mundista num país que se quer afirmar como uma democracia moderna.
Nesse cenário, conseguir assegurar a viabilização do programa de governo e o Orçamento do Estado já seria uma vitória?
Mais do que uma vitória seriam as condições necessárias para que um governo democraticamente eleito possa iniciar as suas funções. Uma coligação que ganha as eleições deve ter como condições mínimas a discussão do seu programa e a aprovação dos seus orçamentos.
Se isso não acontecer e o Governo cair logo na discussão do programa e do Orçamento, o que deve fazer o PR?
Não sou conselheiro nem candidato a PR, mas não vejo qualquer alternativa credível que não passe por ter Passos Coelho como primeiro-ministro. Uma alternativa que viesse a ter António Costa como líder de governo carece de legitimidade política. Não é credível que Portugal saia de umas eleições tendo como primeiro-ministro o grande derrotado dessas mesmas eleições. Não inspira confiança. Teríamos um primeiro-ministro que começaria as funções diminuído, fragilizado, provavelmente até vexado, face ao resultado eleitoral que teve e ao conjunto de cedências e de submissões que teve de estabelecer com a esquerda radical.
Está disponível para continuar num novo governo da coligação?
Cumpri uma missão que me deu muita satisfação, um sentido de realização muito grande. Mas não sou um político profissional, é natural que, terminada a legislatura, queira recuperar a minha pele e regressar ao meu universo mais comum, que é o setor empresarial.
É uma decisão fechada?
Há decisões e há indecisões. Esta é uma decisão. E já foi comunicada atempadamente a quem de direito. Neste caso, não há qualquer possibilidade de revogação.
Quem gostaria de ver como sucessor? Alguém com um perfil mais político ou mais económico?
O próximo governo terá de ter uma forte matriz política, mas não me atrevo a fazer sugestões nem a partilhar desejos quanto à figura que me irá substituir.
Uma provocação: o professor Mário Centeno daria um bom ministro da Economia?
Não creio que desse e que ele vá ter a oportunidade de testar as suas folhas de Excel com a economia portuguesa.
Num novo governo da coligação, em que pastas pode o CDS ser uma mais-valia?
Digo apenas que o CDS teve um valor acrescentado muito forte na Economia, na Agricultura e no Emprego e na coordenação de todas estas pastas na figura do vice-primeiro-ministro. Creio que esta experiência pode e deve ser potenciada num futuro governo. É um capital que talvez possa ter continuidade e ser valorizado no governo que vier a constituir-se.
Alguns secretários de Estado que deram nas vistas podem aspirar a uma promoção a ministro?
Ser ministro nunca pode ser encarado como uma promoção. É um serviço com maior responsabilidade do que ser secretário de Estado. Há muitas pessoas no CDS com ambições políticas e com potencial para cumprirem essas ambições. Mas o primeiro-ministro e o vice-primeiro-ministro dispensam os palpites do ainda ministro da Economia sobre a formação e orgânica do próximo governo.
Na sequência dos resultados de 4 de outubro, o CDS sai destas eleições como quarta força política, a seguir ao BE. É um dano colateral ou faz os centristas pensar que deviam ter sido compensados com mais deputados?
O CDS mantém uma força parlamentar importante – 18 deputados. Os danos foram repartidos em função da fórmula que foi decidida entre os dois líderes. No final, se há elemento onde a coligação pode ter prejudicado o CDS foi na Madeira e nos Açores. É muito difícil estar coligado no continente e estar em registo de rivalidade nos Açores e na Madeira. Essa é talvez a única lição que tiraria do resultado eleitoral: quando há eleições legislativas, as coligações devem ser assumidas a nível nacional e não haver exceções regionais, senão a tarefa dos líderes partidários regionais do partido menor da coligação torna-se impossível.
‘Marcelo tem tudo para ser um bom Presidente’
O ministro da Economia considera que o recuo de Rui Rio revela “bom senso” e acredita que Marcelo Rebelo de Sousa vai ser eleito à primeira volta.
Já manifestara ao seu apoio a Marcelo Rebelo de Sousa ainda antes do anúncio da candidatura. Ficou satisfeito com a decisão?
Em matéria de presidenciais, digo sempre o mesmo há um ano e meio. Em primeiro lugar, se o espaço não socialista quiser ganhar as próximas eleições presidenciais deve concentrar esforços, não deve rivalizar dentro deste próprio espaço, e portanto deve estimular o aparecimento de uma só candidatura. Em segundo lugar, digo que no espaço não socialista a pessoa com melhores condições de protagonizar a candidatura com maior probabilidade de vencer é a do professor Marcelo Rebelo de Sousa. Já via as coisas assim há um ano e meio. Hoje estão bastante evidentes.
Nesse caso, para tudo se tornar mais claro, o PSD e o CDS não deviam dar o apoio formal a Marcelo Rebelo de Sousa?
Não acho que PSD e CDS tenham de dar apoio formal a um candidato. Se PSD e CDS derem liberdade de voto aos militantes e se no espaço não socialista só se apresentar um candidato, está cumprido o que é necessário para que esse candidato ganhe. Há liberdade de voto e só há um candidato.
Rui Rio anunciou a saída da corrida a Belém, mas deixou crítica às liberdades de voto dada pelas direções do PSD e do CDS. Como recebe essas críticas?
Acho positivo que o espaço não socialista não se disperse, para não diminuir as probabilidades de vitória. Nesse sentido, compreendo a liberdade de voto das direções do PSD e do CDS. Estas eleições resultam de candidaturas unipessoais. Parece-me muito vantajoso que os proto-candidatos com menos probabilidades tenham acabado por não candidatar-se e que o espaço não socialista tenha uma candidatura com possibilidades fortes e reais de ganhar as eleições presidenciais à primeira volta.
Deduz-se pelas suas palavras que considera acertada a decisão de Rui Rio.
Foi uma decisão que revelou bom senso.
Apesar de tudo, Rui Rio considera que teria um perfil mais adequado para protagonizar uma candidatura num quadro político conturbado como o que o país vive. Marcelo tem esse perfil?
Creio que sim. Tem muita experiência política, é uma pessoa que abre pontes com a esquerda. Durante muitos anos, foi líder partidário do PSD, numa altura em que foi fundamental para o país estabelecer compromissos com um governo minoritário do PS. Na oposição, permitiu que um governo minoritário concluísse a legislatura. Revelou um forte sentido do interesse nacional, ao estabelecer um compromisso que permitiu que Portugal entrasse no euro e fizesse parte do clube da moeda única desde a primeira hora. Tem flexibilidade mental, capacidade negocial e boa relação com os diferentes agentes políticos. Tem tudo para ser um bom Presidente no momento exigente que vivemos.