2. Nós próprios planeámos escrever hoje sobre os caminhos diferentes que a situação política portuguesa pode seguir. Contudo, refletindo mais profundamente e recusando entrar na onda da política-espectáculo, recuámos: não iremos contribuir para a discussão de fantasias, de telenovelas da vida real com protagonistas políticos, produzindo apenas o efeito de conferir seriedade às meras brincadeiras políticas de mau gosto.
3. Voltar a falar da agenda oculta do Bloco de Esquerda (que já aqui, neste espaço, denunciámos) e da estratégia clara do Partido Comunista seria fazer o que ambos os partidos desejam: elevá-los à dimensão de partidos credíveis, com capacidade de determinar as opções políticas cruciais da nossa comunidade, integrando-os no arco da governabilidade. No fundo, os anti-capitalistas do Bloco e do PCP estão a seguir uma das regras mais emblemáticas das estratégias de marketing características da sociedade de consumo: não há má publicidade. O que importa é que falem de nós – PCP e BE querem que aqueles que analisam a política os deixem de os qualificar como meros partidos de protesto, cujas propostas já são apenas úteis em Museus de História da Humanidade ou para converter a Assembleia da República num palco de teatro, abrilhantado pela belíssima atriz Catarina Martins.
4. Deixemo-nos de rodeios: o que assistimos nos últimos dias resumiu-se a uma tentativa de a esquerda disfarçar a derrota que sofreram nas urnas; especialmente, para António Costa justificar o injustificável: após tirar o poder a António José Seguro por este ter ganho as eleições, Costa tinha a obrigação moral de garantir a vitória do Partido Socialista frente a uma coligação muito desgastada pela aplicação de medidas duras ditadas pelos credores. Medidas duras que, graças ao heroísmo dos portugueses, livraram Portugal da bancarrota – destino trágico que os socialistas queriam legar a todos nós e às próximas gerações de portugueses. António Costa quer tão simplesmente reescrever a História: converter uma derrota colossal e embaraçosa num momento de genialidade e bravura política. O líder socialista anda, pois, à procura do seu toque de Midas: reunindo com Jerónimo de Sousa e Catarina Martins, António Costa arroga-se no estatuto privilegiado de transformar derrotas em vitórias que dão Governos.
5. Por estas razões, optamos por revelar hoje o verdadeiro guião de António Costa – ou seja, o seu plano de ação para os próximos meses. Desta forma, os nossos muito estimados leitores poderão formar uma opinião mais rigorosa sobre as oscilações políticas sucessivas do ainda líder socialista. É tempo então de perguntar: para onde caminha Costa?
6. Primeiro, António Costa vai manter a sua versão de que estão reunidas todas as condições para formar um Governo frentista de esquerda: essa posição foi, aliás, assumida institucionalmente junto do Presidente Cavaco Silva. Porquê? António Costa não quer dar nenhum pretexto que o Presidente possa usar para justificar não empossar um Governo de extrema-esquerda. Ao ter jogado nos dois lados do tabuleiro político – à esquerda e à direita -, António Costa pretendeu evidenciar força política e dar um suplemento vitamínico ao Partido Socialista, evitando que este entrasse numa fase depressiva profunda (que, naturalmente, teria como consequência imediata o escalar da oposição à sua liderança). Costa sabe melhor do que ninguém, no entanto, que um Governo com BE e PCP é um cenário absolutamente inviável. Repetimos: absolutamente inviável. Aliás, o próprio António Costa, na Câmara Municipal de Lisboa, não formou o executivo municipal com o PCP ou o BE: preferiu criar núcleos de oposição controlados – como Helena Roseta ou Sá Fernandes – que depois acolheu devidamente entre as suas hostes, constituindo maiorias camarárias.
7. Mais: José Sá Fernandes começou por concorrer à Câmara Municipal de Lisboa nas listas do Bloco de Esquerda – tendo sido afastado do partido quando aceitou integrar o executivo camarário de António Costa. Conclusão: o BE sempre recusou entrar em coligações com António Costa em Lisboa e convidou simpaticamente o seu vereador a abandonar a ligação (não de militância, segundo julgamos) quando este se juntou a António Costa. Se o BE sempre recusou apoiar Costa em Lisboa, como acreditar que o BE poderia constituir Governo com o mesmo Costa? António Costa já se esqueceu que adjetivou o Bloco de Esquerda como um partido infantil e irresponsável?
8. Mostra-se, assim, se ainda existissem dúvidas, que Catarina Martins e António Costa andam a brincar às politiquices. A dar um triste espetáculo aos portugueses, prejudicando todos nós (basta ver o comportamento da Bolsa de Lisboa e a desconfiança crónica que os investidores – aqueles que criam empregos e permitem aos portugueses sonhar num futuro mais feliz – já começam a sentir sobre Portugal outra vez) para proteger os seus lugarzinhos na política. O próximo passo de António Costa, neste contexto, é claro: começar a criticar Cavaco Silva quando este empossar Passos Coelho e os Ministros que esta venha a escolher.
9. Efetivamente, António Costa e Catarina Martins vão continuar a fingir, organizando sessões de defesa de um Governo frentista junto dos militantes do PS e do BE, afirmando que um acordo entre os dois partidos já está concluído. António Costa dirá que o BE mostrou um grande sentido de responsabilidade; o BE, especialmente Catarina Martins, dirá que o PS cedeu em toda a linha, sendo uma vitória negocial estonteante dos bloquistas. À espera de quê? À espera que Cavaco Silva dê posse a Passos Coelho, fazendo um “frete” ao seu partido e aos seus amigos de direita (já todos conhecemos a cassete…). António Costa e Catarina Martins, nesse momento, dirão: “nós somos a alternativa de esquerda, derrubámos preconceitos, estamos dispostos a governar em conjunto – mas o malvado Cavaco Silva não nos deixa!”.
10. Logo, António Costa vai retomar o discurso anti-Cavaco Silva que já ensaiou – preparando a derrota – na campanha eleitoral. A culpa não será da esquerda – será apenas do Presidente da República. Posteriormente, António Costa vai tentar colar-se ao Partido Comunista e ao Bloco de Esquerda para tentar convencer ambos os partidos a apoiar o candidato presidencial Sampaio da Nóvoa – fazendo tudo, ao mesmo tempo, para matar a candidatura de Maria de Belém.
11. Depois, António Costa espera que o Partido Comunista e/ou o Bloco de Esquerda apresentem uma moção de rejeição do programa de Governo ou chumbem o Orçamento de Estado – neste caso, Costa votará de acordo com a extrema-esquerda. Porquê? Fácil: António Costa não tem espaço político para votar contra – seria o seu descrédito absolutíssimo. E António Costa está convicto que, caindo o Governo, Cavaco Silva será obrigado a dar posse a um Governo de extrema-esquerda (o Presidente não poderá convocar novas eleições e já disse repudiar a ideia de Governo de gestão até Maio).
12. Uma vez empossado António Costa julga que, num cenário de Governo com o apoio da extrema-esquerda, criará as condições necessárias para obter a maioria absoluta nas próximas legislativas, independentemente da maior ou menor proximidade da sua realização. A razão é clara: Costa auto-convenceu-se que será capaz de absorver os eleitores do PCP e do BE nas eleições que se venham a realizar, exercendo um efeito eucalipto à esquerda. António Costa quer ser o Cavaco Silva da esquerda.
13. Conclusão: António Costa não quer ser amigo ou mestre-de-cerimónias do PCP e do Bloco de Esquerda. Não: António Costa quer encostar definitivamente o PS à esquerda, reduzindo o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda à insignificância. Aniquilando estes dois partidos de extrema-esquerda, António Costa julga que o PS terá finalmente o seu “espaço vital” no espetro partidário português: o PS tornar-se-á uma federação de esquerdas, alienando o centro e juntando a esquerda e a extrema-esquerda.
14. Perguntamos: será que Jerónimo de Sousa e Catarina Martins vão cair na armadilha montada por António Costa? E será que o PS, na tradição de Mário Soares e dos democratas que sempre lutaram contra os desvios autoritários do partido, se resignará a conquistar a extrema-esquerda como uma inevitabilidade para sobreviver politicamente? O PS merece mais do que António Costa. Portugal merece mais do que o PS de António Costa.
15. Os portugueses – todos nós – podem ficar descansados: Cavaco Silva não caucionará um governo de frente popular. António Costa está muito enganado…e será possível que ninguém no Largo do Rato lhe tenha dito, entretanto, que perdeu as eleições?