Mário Soares, PCP e BE: os três inimigos políticos de António Costa

1. Vários comentadores, quase todos os dias, têm optado por cenarizar os próximos desenvolvimentos no processo de formação do próximo Governo. Os cenários que estão em cima da mesa – Governo frentista de esquerda; Governo de Bloco Central; Governo PSD com acordos de incidência parlamentar celebrados com o PS; Governo de gestão até Maio, com…

2. Nós próprios planeámos escrever hoje sobre os caminhos diferentes que a situação política portuguesa pode seguir. Contudo, refletindo mais profundamente e recusando entrar na onda da política-espectáculo, recuámos: não iremos contribuir para a discussão de fantasias, de telenovelas da vida real com protagonistas políticos, produzindo apenas o efeito de conferir seriedade às meras brincadeiras políticas de mau gosto.

3. Voltar a falar da agenda oculta do Bloco de Esquerda (que já aqui, neste espaço, denunciámos) e da estratégia clara do Partido Comunista seria fazer o que ambos os partidos desejam: elevá-los à dimensão de partidos credíveis, com capacidade de determinar as opções políticas cruciais da nossa comunidade, integrando-os no arco da governabilidade. No fundo, os anti-capitalistas do Bloco e do PCP estão a seguir uma das regras mais emblemáticas das estratégias de marketing características da sociedade de consumo: não há má publicidade. O que importa é que falem de nós – PCP e BE querem que aqueles que analisam a política os deixem de os qualificar como meros partidos de protesto, cujas propostas já são apenas úteis em Museus de História da Humanidade ou para converter a Assembleia da República num palco de teatro, abrilhantado pela belíssima atriz Catarina Martins.

4. Deixemo-nos de rodeios: o que assistimos nos últimos dias resumiu-se a uma tentativa de a esquerda disfarçar a derrota que sofreram nas urnas; especialmente, para António Costa justificar o injustificável: após tirar o poder a António José Seguro por este ter ganho as eleições, Costa tinha a obrigação moral de garantir a vitória do Partido Socialista frente a uma coligação muito desgastada pela aplicação de medidas duras ditadas pelos credores. Medidas duras que, graças ao heroísmo dos portugueses, livraram Portugal da bancarrota – destino trágico que os socialistas queriam legar a todos nós e às próximas gerações de portugueses. António Costa quer tão simplesmente reescrever a História: converter uma derrota colossal e embaraçosa num momento de genialidade e bravura política. O líder socialista anda, pois, à procura do seu toque de Midas: reunindo com Jerónimo de Sousa e Catarina Martins, António Costa arroga-se no estatuto privilegiado de transformar derrotas em vitórias que dão Governos.

5. Por estas razões, optamos por revelar hoje o verdadeiro guião de António Costa – ou seja, o seu plano de ação para os próximos meses. Desta forma, os nossos muito estimados leitores poderão formar uma opinião mais rigorosa sobre as oscilações políticas sucessivas do ainda líder socialista. É tempo então de perguntar: para onde caminha Costa?

6. Primeiro, António Costa vai manter a sua versão de que estão reunidas todas as condições para formar um Governo frentista de esquerda: essa posição foi, aliás, assumida institucionalmente junto do Presidente Cavaco Silva. Porquê? António Costa não quer dar nenhum pretexto que o Presidente possa usar para justificar não empossar um Governo de extrema-esquerda. Ao ter jogado nos dois lados do tabuleiro político – à esquerda e à direita -, António Costa pretendeu evidenciar força política e dar um suplemento vitamínico ao Partido Socialista, evitando que este entrasse numa fase depressiva profunda (que, naturalmente, teria como consequência imediata o escalar da oposição à sua liderança). Costa sabe melhor do que ninguém, no entanto, que um Governo com BE e PCP é um cenário absolutamente inviável. Repetimos: absolutamente inviável. Aliás, o próprio António Costa, na Câmara Municipal de Lisboa, não formou o executivo municipal com o PCP ou o BE: preferiu criar núcleos de oposição controlados – como Helena Roseta ou Sá Fernandes – que depois acolheu devidamente entre as suas hostes, constituindo maiorias camarárias.

7. Mais: José Sá Fernandes começou por concorrer à Câmara Municipal de Lisboa nas listas do Bloco de Esquerda – tendo sido afastado do partido quando aceitou integrar o executivo camarário de António Costa. Conclusão: o BE sempre recusou entrar em coligações com António Costa em Lisboa e convidou simpaticamente o seu vereador a abandonar a ligação (não de militância, segundo julgamos) quando este se juntou a António Costa. Se o BE sempre recusou apoiar Costa em Lisboa, como acreditar que o BE poderia constituir Governo com o mesmo Costa? António Costa já se esqueceu que adjetivou o Bloco de Esquerda como um partido infantil e irresponsável?

8. Mostra-se, assim, se ainda existissem dúvidas, que Catarina Martins e António Costa andam a brincar às politiquices. A dar um triste espetáculo aos portugueses, prejudicando todos nós (basta ver o comportamento da Bolsa de Lisboa e a desconfiança crónica que os investidores – aqueles que criam empregos e permitem aos portugueses sonhar num futuro mais feliz – já começam a sentir sobre Portugal outra vez) para proteger os seus lugarzinhos na política. O próximo passo de António Costa, neste contexto, é claro: começar a criticar Cavaco Silva quando este empossar Passos Coelho e os Ministros que esta venha a escolher.

9. Efetivamente, António Costa e Catarina Martins vão continuar a fingir, organizando sessões de defesa de um Governo frentista junto dos militantes do PS e do BE, afirmando que um acordo entre os dois partidos já está concluído. António Costa dirá que o BE mostrou um grande sentido de responsabilidade; o BE, especialmente Catarina Martins, dirá que o PS cedeu em toda a linha, sendo uma vitória negocial estonteante dos bloquistas. À espera de quê? À espera que Cavaco Silva dê posse a Passos Coelho, fazendo um “frete” ao seu partido e aos seus amigos de direita (já todos conhecemos a cassete…). António Costa e Catarina Martins, nesse momento, dirão: “nós somos a alternativa de esquerda, derrubámos preconceitos, estamos dispostos a governar em conjunto – mas o malvado Cavaco Silva não nos deixa!”.

10. Logo, António Costa vai retomar o discurso anti-Cavaco Silva que já ensaiou – preparando a derrota – na campanha eleitoral. A culpa não será da esquerda – será apenas do Presidente da República. Posteriormente, António Costa vai tentar colar-se ao Partido Comunista e ao Bloco de Esquerda para tentar convencer ambos os partidos a apoiar o candidato presidencial Sampaio da Nóvoa – fazendo tudo, ao mesmo tempo, para matar a candidatura de Maria de Belém.

11. Depois, António Costa espera que o Partido Comunista e/ou o Bloco de Esquerda apresentem uma moção de rejeição do programa de Governo ou chumbem o Orçamento de Estado – neste caso, Costa votará de acordo com a extrema-esquerda. Porquê? Fácil: António Costa não tem espaço político para votar contra – seria o seu descrédito absolutíssimo. E António Costa está convicto que, caindo o Governo, Cavaco Silva será obrigado a dar posse a um Governo de extrema-esquerda (o Presidente não poderá convocar novas eleições e já disse repudiar a ideia de Governo de gestão até Maio).

12. Uma vez empossado António Costa julga que, num cenário de Governo com o apoio da extrema-esquerda, criará as condições necessárias para obter a maioria absoluta nas próximas legislativas, independentemente da maior ou menor proximidade da sua realização. A razão é clara: Costa auto-convenceu-se que será capaz de absorver os eleitores do PCP e do BE nas eleições que se venham a realizar, exercendo um efeito eucalipto à esquerda. António Costa quer ser o Cavaco Silva da esquerda.

13. Conclusão: António Costa não quer ser amigo ou mestre-de-cerimónias do PCP e do Bloco de Esquerda. Não: António Costa quer encostar definitivamente o PS à esquerda, reduzindo o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda à insignificância. Aniquilando estes dois partidos de extrema-esquerda, António Costa julga que o PS terá finalmente o seu “espaço vital” no espetro partidário português: o PS tornar-se-á uma federação de esquerdas, alienando o centro e juntando a esquerda e a extrema-esquerda.

14. Perguntamos: será que Jerónimo de Sousa e Catarina Martins vão cair na armadilha montada por António Costa? E será que o PS, na tradição de Mário Soares e dos democratas que sempre lutaram contra os desvios autoritários do partido, se resignará a conquistar a extrema-esquerda como uma inevitabilidade para sobreviver politicamente? O PS merece mais do que António Costa. Portugal merece mais do que o PS de António Costa.

15. Os portugueses – todos nós – podem ficar descansados: Cavaco Silva não caucionará um governo de frente popular. António Costa está muito enganado…e será possível que ninguém no Largo do Rato lhe tenha dito, entretanto, que perdeu as eleições?

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