António Costa, revoltado com o voto do povo e perante a vertigem da derrota, decidiu na altura transformar em oportunidade de ouro a posição de pivot que tinha adquirido nessas eleições. Ao invés de assumir o desaire, abalançou-se então a líder de uma frente cujos denominadores comuns eram poucos e que muito demoraram a cimentar. Daí não existirem escritos que permitam escrever esta história com maior critério científico.
Naquelas eleições uma grande maioria silenciosa de mais de 70% dos eleitores tinha votado em projetos com traves mestras comuns, como os do respeito pelos compromissos assumidos na Europa e na NATO, a manutenção da moeda única e de um défice público abaixo de 3%, para não falar agora na identidade existente em matéria de democracia de cariz europeu ocidental, algo que já não se podia dizer dos partidos que na altura quiseram alinhar com António Costa e que pretenderam ficar com ele na mão.
Para que o alinhamento frentista fosse possível, era necessário fugir a uma série de convenções assentes no quadro da nossa democracia, como a de que quem ganha as eleições deve governar, ou a de que cabia ao partido ou coligação de partidos mais votada assumir o cargo de Presidente da Assembleia da República (PAR).
António Costa quis fugir de casa, largar as amarras, escapar das regras. E logo também o novo PAR seguiu a linha de conduta agora imposta, inaugurando o seu mandato com um hostil e triste discurso que tardou em ser esquecido.
Tudo isto teve um preço. Um preço elevado, nomeadamente pela imprevisibilidade que veio criar no sistema político português e por todas as suas consequências. Consequências políticas ao nível da confiança dos cidadãos e das empresas num sistema político em que se tornaram muito mais difíceis as soluções estáveis e duradouras. Projeções económicas, com a retração do investimento nacional e estrangeiro no País e, consequentemente, do emprego. E tantas outras.
Mas agora é tempo de nos limitarmos a deixar aguçado o interesse daqueles que estudam a história.
Os cidadãos que se sentiam defraudados, e eram muitos, fizeram chegar ao sistema político a mensagem de que exigiam que fossem geradas soluções e que se respeitassem as eleições.
E António Costa sentiu então o apelo para encontrar de novo o caminho para uma casa de onde achou que, afinal, não devia ter saído. Conduzir de novo o seu partido a um papel sólido e central na democracia portuguesa possibilitaria começar a afastar as nuvens cinzentas que iam cobrindo o País, reconciliar o partido com a sua genética e com uma história de décadas, assim como com o seu eleitorado, e, acima de tudo, respeitar a decisão expressa em urnas.
Estava, naquela altura, perante uma das decisões mais importantes da sua vida política. Enveredaria pela procura de soluções de estabilidade para o País, aproveitando a oportunidade histórica de ser exigido um consenso que podia ser um tónico reformador de largo e perene alcance protagonizado pelos partidos que garantiam a governabilidade e os valores de Abril na democracia portuguesa? Ou, com graves custos para o País e para o seu partido, aliar-se-ia àqueles que só lhe podiam oferecer uma glória breve, do tipo fogo-fátuo?
Como findou a carreira política de António Costa… é uma história que contaremos. Mas o seu nome não ficou esquecido.
* Jurista