2. Enganaram-se: Passos Coelho, ao longo do processo de formação do Governo, revelou uma enorme disposição para o diálogo e abertura a entendimentos políticos duradouros e estáveis com o partido que ocupou, no decurso da democracia portuguesa, o centro político, o espaço da moderação política, com o PSD – referimo-nos ao PS, claro está. Passos Coelho, segundo apurámos, terá tentado, de facto, convidar independentes conotados com o PS e mesmo académicos que participaram na elaboração do programa socialista de António Costa para integrar o Governo. Contudo, todos recusaram – temem que o Governo dure apenas menos de duas semanas e querem evitar lançar o caos nas suas vidas pessoais e profissionais; não querem melindrar António Costa e gerar anticorpos dentro do PS, sobretudo tendo a perceção exata de que Costa e o partido, estando sedento de poder, estão mesmo dispostos a entrar na aventura politicamente suicida da coligação trágica com a extrema-esquerda.
3. No entanto, mesmo recusando o convite de Pedro Passos Coelho para integrar o novo Governo, não deixaram de reconhecer o sentido de Estado e de salutar responsabilidade política do Primeiro-Ministro, afirmando que manter o Executivo que tomará posse na sexta-feira, com acordos de incidência parlamentar com o PS, seria o melhor para Portugal. Os independentes ligados ao PS e, calculamos, a maioria daqueles que sendo militantes do PS não dependem dos lugares distribuídos pelo partido tenderão a concordar quanto a um facto singelo: António Costa está a submeter o interesse de Portugal aos seus interesses pessoais. Portugal está hoje cercado – jornais estrangeiros escrevem mesmo que somos iguais à Grécia, deitando por água abaixo os sacrifícios heroicos dos portugueses feitos nos últimos quatro anos – pelo imperativo de sobrevivência política de António Costa.
4. Dito isto, Passos Coelho teve muito mérito na formação do novo Executivo: apesar de tantas recusas, e perante a cada vez mais provável queda iminente do Executivo, escolheu um conjunto de Ministros com qualidade intelectual, experiência política e seriedade. Mantendo simultaneamente os melhores elementos do Governo cessante (com as exceções, que muito lamentamos, de António Pires de Lima e Paulo Macedo), pretendendo sinalizar uma evolução na continuidade e uma abertura a novas concertações políticas, a bem de Portugal. Neste sentido, Passos Coelho e Paulo Portas são os únicos agentes políticos – como é possível? – que interpretam a vontade do eleitorado: manter a política de rigor, de seriedade e de disciplina orçamental, mantendo a estabilidade política ao centro, tomando as decisões estruturais sobre o nosso futuro coletivo em acordo com o PS. Trazer o PS para o centro da decisão política, embora não o “premiando” com o Governo para já – eis a mensagem que os eleitores quiseram expressar a António Costa e a todos os socialistas. Em vez de aproveitar para refletir sobre a sua estratégia, sobre que papel querem desempenhar na democracia portuguesa e que país pretendem construir, os socialistas ficaram inebriados pela conquista do poder a todo o custo e pela ganância dos lugarzinhos na máquina do Estado. O PS merece mais do que António Costa. Portugal merece mais – muito mais – do que este PS de António Costa.
5. Três notas derradeiras: primeiro, é de louvar a disponibilidade de um académico da craveira intelectual de Rui Medeiros, que domina como poucos a teoria da Constituição, que sabe como poucos quais os limites de intervenção do Tribunal Constitucional nos atos do Governo e da Assembleia da República, que conhece a jurisprudência constitucional em matéria de Segurança Social podendo, por conseguinte, lançar as bases para discutir com os socialistas – assim António Costa voltar ao seu juízo político normal – a reforma deste setor, tranquilizando os portugueses, de hoje e de amanhã, sobre o futuro das suas reformas e da viabilidade do Estado Social. Rui Medeiros é um nome fortíssimo e será uma mais-valia para Portugal.
6. A segunda nota é para a escolha do Ministro da Administração Interna, Calvão da Silva. É um Professor de Direito de Coimbra que substitui outra Professora de Direito de Coimbra – embora Calvão da Silva seja um ilustre jurista nas áreas do Direito Civil e do Direito Comercial (enquanto Anabela Rodrigues vinha mesmo das áreas do Direito Penal e do Processo Penal), sem que se conheça o seu pensamento sobre políticas públicas de segurança interna, é um negociador nato e com muita experiência política para gerir um Ministério muito complexo. Calvão da Silva é um homem da confiança de Pedro Passos Coelho e goza de um prestígio impressionante e atípico entre os socialistas (que, aliás, já o convidaram para várias conferências sobre diferentes matérias…). E é um representante, dos poucos que ainda se mantêm na política, do Bloco Central.
7. Terceiro, na economia perdemos um grande Ministro – Pires de Lima – mas nem tudo é mau: Morais Leitão ficará com a pasta. Morais de Leitão é o homem da confiança de Paulo Portas, que muito ajudou Portas na campanha de internacionalização da nossa economia, na gestão da diplomacia económica e é um político intelectualmente brilhante. Ficamos, pois, descansados: a economia está entregue a Morais Leitão, o que significa que Paulo Portas terá um peso decisivo na definição da política económica deste Governo.
Que o bom senso e a racionalidade política de António Costa voltem depressa. Quem tudo quer, tudo perde – oiça a sapiência do nosso Povo, António Costa, oiça o nosso sábio Povo.