Terra pequena, onde permanecem cerca de 4.200 habitantes em pouco mais de 300 quilómetros quadrados e 33 pequenas povoações, num Alto Alentejo entalado entre a Beira Baixa e o Ribatejo, o Gavião tem os costumes da região onde se insere mas as pretensões de um Ribatejo mais próximo de Lisboa. Falta-lhe indústria, comércio, emprego. É o interior esquecido de que falam os media, mas que manda grande parte dos seus jovens estudar para Abrantes e depois, no secundário, para a capital. ‘Um Alentejo diferente’, como resume o slogan do município.
É José Pio, o presidente da câmara socialista ‘herdada’ de Jorge Martins, que comandou os destinos do município durante quase 20 anos, quem faz de cicerone à reportagem da Tabu pela sede de concelho. Homem da terra, orgulha-se de conhecer os seus conterrâneos pelo nome – um “privilégio” que não veio com a ocupação pública.
Nascido e criado no Gavião, ‘Zé’, como é conhecido no Café Central da vila e por aqueles com que se cruza e que cumprimenta nas ruas, foi chefe da repartição de Finanças local toda a vida. Quem por ali vive, conhece o seu temperamento, o seu caráter.
Antes de guiar os jornalistas ao Café Central, à pinha antes da hora de almoço, para um aperitivo que abra o apetite, o presidente apresenta a população que governa. A caracterização que faz será, aliás, confirmada mais tarde pelas pessoas com as quais a Tabu se cruza nas ruas. Lá iremos.
População humilde e envelhecida
“O Gavião tem uma população humilde, envelhecida, um défice de literacia muito grande, poucos licenciados. As pessoas resumem-se ao que está perto. As fontes de rendimento são sobretudo agrícolas, há pouca indústria…”, começa por dizer o responsável. E neste caso, quando se fala em pouca indústria, não é um eufemismo. Uma fábrica de cortiça, a Cork, que emprega 12 pessoas; uma gráfica que emprega cinco. Sem surpresas, o município é o principal empregador da região. “Não há empresas que fixem os jovens”, diz Pio. “Saem em jovens, voltam reformados, envelhecidos”.
Daí que não faltem incentivos para fixar a população: “Devolução de 5% do IRS; um IMI mínimo em que a câmara cede três mil euros ao casal que queria construir habitação no concelho; abono de família ‘municipal’ de cerca de 50 euros por cada filho até aos três anos; bolsas de estudo para os jovens que pretendam formar-se…” A lista é longa.
Há também os apoios disponíveis para pequenas empresas em que cada metro quadrado de um lote na zona industrial “é um escudo”. É portanto natural, considera o autarca, logo após reconhecer que herdou “muita obra feita” em termos de equipamentos do seu predecessor, Jorge Martins, que o PS tenha vencido no seu concelho. “Sim, acredito que o trabalho feito nas autárquicas funcionou como móbil. Além disso, claro que, durante a campanha, quando nos perguntavam em quem votar, dizíamos ‘votem no nosso’”. A estratégia, como se viu nas legislativas de 4 de outubro, terá funcionado.
O partido da terra, porém, não venceu as eleições nas urnas a nível nacional, e o discurso do Presidente Cavaco Silva, excluindo os partidos não europeístas, como o Bloco de Esquerda (BE) e a CDU da possibilidade de governarem, deixou José Pio apreensivo. “Penso que todas as vozes têm de ser ouvidas”. No Gavião, é mesmo de vozes que se trata.
O autarca José Pio conhece todos pelo nome. É homem da terra, o ‘Zé’ que trabalhou na repartição de finanças toda a vida
‘O nosso Gavião é muito bom’
Arminda Gonçalves, de 41 anos, sempre viveu no Gavião. E ilustra a realidade da gente da terra. A Tabu encontra-a ao final da manhã do passado dia 22, a trocar impressões com a vizinha que está ‘de abalada’. Na rua onde predomina o casario branco e simples, de beirais amarelos, como no largo onde se instalou a sede da câmara, espreita apenas um sol tímido. Sobre a colina a vista é soberba. Montes e vales sucedem-se até perder de vistas, desertos de gente, cobertos de vegetação. De sobreiros, de eucaliptos. Arminda cumpriu o nono ano de escolaridade aqui mesmo.
E no Gavião casou e teve três filhos, com 16, dez, e o mais novo de oito. “O nosso Gavião é muito bom”, diz a mulher, morena de cabelo curto, com simplicidade, assumindo a pressa que tem para ir tratar do almoço. “Ainda recebi o subsídio para o Tomás, o mais novo, até aos três anos”, continua, sempre com a mesma voz alegre. “Para quem tem filhos, as condições são ótimas”. Franze ligeiramente o sobrolho para sublinhar o grande problema do concelho, que inclui, por exemplo, as localidades de Belver e Alvega. “Não há é trabalho. Só na câmara e na Sta. Casa da Misericórdia”. De que vive o resto da população? Do trabalho no campo, responde Arminda prontamente. “Na cortiça, na azeitona, na uva, no que vai aparecendo”. Na maioria das vezes, fora dos limites do concelho, que “os patrões também não são daqui”, remata. São quase horas do almoço.
No largo principal, onde param autocarros e expressos que ligam Lisboa à Beira Baixa, Maria Antónia de São João, 54 anos cumpridos, mostra porque se é obrigado a partir, e fala do reverso da medalha. Encontramo-la de passo estugado, a caminho da Segurança Social, onde vai substituir uma colega, que teve de ausentar-se. “O Gavião é muito bonito, mas não há nada aqui. Não tem evoluído muito”, desmistifica. Foi, por isso, obrigada a partir para Ponte de Sor, a uma vintena de quilómetros, há 29 anos. “É um bocadinho melhor”, assevera. “Agora tem um aeródromo, acaba por vitalizar um bocadinho a cidade”.
À questão ‘porque é que o PS vence sempre as eleições no Gavião?’, a resposta é dada prontamente, sem encanto: “Acredito que, por um lado, as pessoas se habituaram”, diz. “Por outro, as pessoas que estão à frente do PS são influentes e acreditam que terão mais poder junto do poder central”.
Quanto a si própria, que já não vive no concelho que visita regularmente, nas últimas eleições foi a líder do Bloco de Esquerda (o partido com mais cartazes espalhados pelas artérias principais da vila) a convencê-la. “Gosto das ideias da Catarina [Martins]. Acredito que é uma pessoa séria”, conclui, enquanto se apressa para chegar a horas à segurança social, no largo do mercado.
‘Não votei no PS porque a cara do senhor não me convence’
Daniela Conchinhas, de 25 anos, nono ano completo, mãe de um menino de cinco, contraria as estatísticas locais. É jovem, ficou na terra onde cresceu e… não votou no PS, assume.
Encontramo-la no bar onde trabalha, o Titanic, com vista panorâmica para o vale. “Não tenho um partido definido à partida. Não votei no PS porque a cara do senhor [António Costa] não me inspira confiança. E este drama foi criado em parte pelo PS”, confidencia.
Por outro lado, acredita que “os sacrifícios dos últimos quatro anos irão valer a pena com a coligação”: “A situação não ficou difícil de um dia para o outro. Por isso, quatro anos são pouco para sair. A coligação tem feito um bom trabalho. Tem de continuar para nós, os jovens, podermos pensar em ter um futuro melhor”.
Um futuro melhor para ela, para o filho, e para o marido, de 35 anos, que trabalha por conta da câmara como jardineiro. Afinal, não pensa em viver em nenhum outro lugar.
De volta ao Largo do Município, cruzamo-nos com Graça Calado, uma ‘imigrante’, que conta com 41 anos a morar no Gavião, de onde é o marido. “Estou no desemprego há um ano”, conta. Com dois filhos criados, um de 41 anos, “emigrado por falta de trabalho há oito anos” e a mais nova de 37, “felizmente a trabalhar na Santa Casa da Misericórdia”, espera por uma vida melhor para a sua terra, para si e para os seus. “Deus queira que isto mude”, repete apressada entre afazeres, antes de concluir: “Isto é PS, mas olhe que já foi muito mais”.
Como a sexagenária, Luís Pais, de 42 anos, chegado há seis ao Gavião, resume o sentimento de quem vive na vila: “As pessoas votam em caras mediáticas. Se o presidente da Câmara concorresse como independente, ganhava na mesma. Não tenho dúvidas”.
Os motivos para esta maioria absoluta do PS são simples. “Este presidente é muito à frente. Temos uma autarquia sã financeiramente, projetos turísticos, como um parque de campismo, e o centro de obstáculos para cavalos que quer fazer, aquáticos, com a barragem de Belver. E trouxe uma pessoa jovem para ajudá-lo, o António Severino [vice-presidente da autarquia], que é uma pessoa de visão. Há coisas a mexer, obras”, defende.
Daí que tenha encontrado, ao contrário, dos locais, oportunidades no Gavião: além de explorar uma loja de flores, perto do Café Central, é dono da funerária local e ainda tem uma loja de tintas. Sem reservas, diz acreditar no trabalho do ‘Zé’. “O antigo presidente era de Belver e desenvolveu mais essa freguesia. Este, como é de cá, trabalhou toda a vida nas finanças, quer desenvolver a sede de concelho”, remata.