Uns meses depois, a escritora que eu desconhecia por completo venceu o Nobel da Literatura e o seu nome tornou-se menos difícil de pronunciar. Hoje consigo até escrevê-lo sem precisar de recorrer a uma cábula: Svetlana Alexievich. A Academia Sueca distinguiu os seus escritos por serem “um monumento ao sofrimento e coragem da nossa época”.
Curiosamente, segundo o testamento ditado por Alfred Nobel em Paris em 1895, o prémio deveria ser atribuído “à mais extraordinária obra idealista”. Os livros de Svetlana Alexievich não são nada disso. Ou melhor, são extraordinários, mas não idealistas. Caracterizam-se justamente por serem brutalmente crus e impactantes como um soco no estômago.
“Componho os meus livros a partir de milhares de vozes, testemunhos, fragmentos da nossa vida e do nosso ser. Demorei três a quatro anos a escrever cada livro. Para cada projeto, conheci cerca de 500 a 700 pessoas e registei as conversas que mantive com elas”, disse a autora acerca da sua obra.
Este método é idêntico ao utilizado por outro grande escritor (e uma das grandes referências da Nobel bielorrussa), o polaco Ryszard Kapuscinski. Considerado o mestre da reportagem, Kapuscinski compôs os seus livros a partir das impressões recolhidas no terreno, mas também dos depoimentos que ia escutando. A sua obra-prima O Imperador, sobre a queda de Haile Selassié, é o exemplo acabado (e brilhante) dessa conceção do livro como obra coletiva.
Está previsto para janeiro de 2016 o lançamento em Portugal do livro de Svetlana Alexievich Vozes de Chernobyl, sobre a tragédia nuclear de 1986. Bastou-me ler o prefácio, já disponibilizado pela editora (Elsinore), para perceber que o Nobel de 2015 foi justíssimo. Não posso dizer que nunca li nada parecido, pois a sombra do grande Kapuscinski paira sobre aquelas páginas. Mas, tal como o meu amigo, não consegui conter as expressões de admiração e assombro – ainda que, no momento em que lia, eu estivesse completamente sozinho.