À esquerda os partidos foram desfiando os argumentos a favor da adopção por casais gay, um “direito fundamental” e uma “discriminação” que existe na lei tendo em conta a orientação sexual.
Coube ao BE iniciar o debate, na Assembleia da República, sobre os projetos que permitem a adopção plena por casais do mesmo sexo defendendo que “a orientação sexual não pode ser critério para vedar direitos”.
“Não se trata de decidir quem pode ou não adoptar, o que se trata é que os casais se possam candidatar à adopção”, argumentou a deputada Sandra Cunha, notando que cabe aos técnicos da Segurança Social fazer a avaliação das famílias e ao tribunal decidir.
Para o BE não há “qualquer base científica que permita assumir que a orientação sexual dos pais ou mães afectará negativamente o desenvolvimento das crianças”.
Pelo PS, a deputada Isabel Moreira, que tem sido das maiores defensoras dos direitos homossexuais no Parlamento, afirmou que “não há forma mais nobre de iniciar a legislatura do que concretizar direitos fundamentais”.
“As crianças estão a ouvir-nos”, disse a deputada. Nas galerias da Assembleia da República várias crianças assistiam ao debate. A deputada lembra que há famílias homossexuais com crianças que “vergonhosamente” não são reconhecidas pela lei.
A deputada do PCP Rita Rato invocou a Declaração Universal dos Direitos da Criança para dizer que todas as crianças “têm direito a nascer e a crescer numa família que cuide e as ame incondicionalmente”. E nota que na sociedade portuguesa “registam-se evoluções e sinais de progressivo acolhimento social destas famílias”.
As crianças que permanecem institucionalizadas foram lembradas pela deputada do PEV Heloísa Apolónia. “Uma instituição, por melhor que seja, não consegue substituir o calor e atenção de uma família”, disse. Já o deputado do PAN André Silva afirmou que as “famílias não são todas iguais mas todas deverão ter os mesmos direitos”.
Direita critica aproveitamento político da esquerda
À direita os partidos acusaram a esquerda de uma “agenda” e argumentaram que ainda subsistem “dúvidas” quanto ao “superior interesse das crianças”. A deputada do PSD Andreia Neto acusou a esquerda de trazer a discussão não os temas “mais importantes” mas os “mais fracturantes”. E citou a aprovação do casamento gay no Governo de José Sócrates – que excluía a adopção por não ter feito parte da campanha – para atacar o PS.
O PSD deu liberdade de voto, por ser uma matéria de consciência, mas a deputada insistiu em deixar um recado aos seus colegas de bancada. "Cada deputado votará de forma livre mas consciente” porque, segundo a deputada, “liberdade de voto não é votar como lhe apetece”. Um recado que não serviu a 19 dos sociais-democratas.
Já o CDS também criticou a oportunidade desta discussão e aproveitou para tentar explorar as diferenças entre os partidos da esquerda. “Numa semana a nova esquerda não perde tempo para mostrar as verdadeiras prioridades e únicos consensos”, disse o deputado Filipe Lobo D’Ávila.
O deputado pediu para que os deputados da esquerda não tenham a “arrogância de cair na adjectivação fácil”, colocando de um lado os “esclarecidos” e do outro “os ignorantes”. Para o CDS o que está em causa “é o direito de ser adoptado” porque o direito de adoptar está “subordinado”.“As dúvidas subsistem e subsistindo dúvidas não hesitamos em estar do lado do superior interesse das crianças”, concluiu.
Da bancada do CDS surgiu o discurso mais conservador pela voz do deputado Filipe Anacoreta Correia. O deputado criticou a “agenda LGBT” trazida ao Parlamento e notou que as crianças “nascem biologicamente do masculino e do feminino”. Para o deputado existe uma “complementaridade entre feminino e masculino”.
Em resposta, o deputado socialista Pedro Delgado Alves notou que esta questão já devia ter sido resolvida “há muito tempo”, primeiro pelo princípio da igualdade, depois porque cientificamente “ninguém tem dúvidas” e por isso “apenas se insiste em manter o preconceito na lei”. Heloísa Apolónia também tomou da palavra para questionar os deputados sobe se preferem ignorar as famílias que já existem, uma vez que é possível um gay ou lésbica adoptarem sozinhos uma criança. “É porque sozinho passa despercebido e se for casal nota-se mais?”, ironizou.
Os deputados do PSD que votaram a favor
Apesar de a maioria dos deputados do PSD terem votado contra houve 19 a votar ao lado da esquerda. Foram eles: Ângela Guerra, Sérgio Azevedo, Berta Cabral, Cristóvão Norte, Rubina Berard, Joana Barata Lopes, António Rodrigues, Margarida Lopes, Cristóvão Simão Ribeiro, José Barros, Odete Silva, António Lima Costa, Ana Oliveira, Inês Domingues, Pedro Pinto, Paula Teixeira da Cruz, Teresa Leal Coelho e Firmino Pereira. No primeiro projeto a ser votado, o do BE o deputado do PSD Duarte Marques e a deputada do PS Odete Silva abstiveram-se, enquanto o deputado do PS Ascenso Simões foi o único socialista a votar contra. Já no projecto do PS sobre a mesma matéria também se abstiveram as deputadas do CDS Teresa Caeiro e Ana Rita Bessa e a deputada do PSD Ana Sofia Bettencourt. Houve vários deputados a apresentar declarações de voto.
A adopção por casais homossexuais tem vindo à Assembleia da República pela mão ora do BE ora do PS mas até hoje ainda não tinha visto a luz do dia. Um projeto que permitia a co-adopção apresentado pelo PS tinha sido aprovado em Maio de 2014 mas acabou por ser chumbado, já na especialidade, por escassos votos. Já no início deste ano projetos do PS, BE e Verdes que permitiam a adopção plena por casais gay foram chumbados. À quinta foi de vez. Da bancada da esquerda houve uma ovação de pé, acompanhada pelas deputadas do PSD Teresa Leal Coelho e da ex-ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz. E também uma ovação de pé nas galerias, onde estavam defensores dos direitos LGBT.