Já foi operário fabril, teve salários em atraso e participou em greves. Esteve na comissão de trabalhadores da Lisnave nos tempos conturbados do pós-25 de Abril, onde travou duras batalhas com a CGTP pela estabilização da atividade dos estaleiros navais. Quatro décadas depois, António Saraiva tem uma empresa metalúrgica e está na presidência da CIP, a principal confederação empresarial do país, onde assiste com particular atenção aos acordos do PS com o Bloco de Esquerda e o PCP – partidos cuja ideologia combateu naqueles tempos agitados. «Não me incomoda. Aprendi ao longo da vida que quanto maior é o problema, mais calma temos de ter para o enfrentar. O importante é que se encontre rapidamente uma solução de Governo estável, duradoura».
Para António Saraiva, um Governo de gestão seria um cenário a evitar. «Tem o inconveniente de não ser duradouro, por implicar eleições dentro de alguns meses. Vamos adiar o país? Vamos adiar soluções?». Tem falado com as lideranças partidárias e foi ouvido pelo Presidente da República, a quem apelou para que a incerteza política desapareça. O pior inimigo da atividade económica é não saber-se o que vai acontecer a seguir. «O problema são os investimentos. Neste momento, com esta indecisão, estão parados».
Apesar de compreender que a solução do PS é a mais exequível para ultrapassar o impasse político, não concorda com tudo o que tem visto. Vê alguns «sinais negativos» nos acordos à esquerda, como a intenção de subir o salário mínimo e de repor os feriados à revelia dos parceiros sociais – pode «esvaziar a concertação social» e trazer dificuldades à atividade das empresas.
Por isso pede ao PS que mantenha «vigilância apertada» sobre o PCP e que António Costa «dê garantias» de que é europeísta e que respeita as regras orçamentais. «Somos uma economia pequena e frágil. A reputação é essencial e isso não se pode perder. O António Saraiva de há 40 anos estaria com os mesmos receios, conhecendo a CGTP e o PCP como conheço».
Da comissão de trabalhadores à própria empresa
António Saraiva nasceu há 62 anos em Ervidel, no Alentejo, de onde saiu com seis anos, quando a família foi procurar uma vida melhor em Lisboa. O pai, sapateiro, tentou a sorte primeiro como GNR e depois como eletricista. A mãe trabalhava no campo e passou a fazer trabalhos a dias. António entrou para a Lisnave com 17 anos. Quando estala a revolução, envolve-se nas lutas políticas e tenta contrariar o domínio comunista nos estaleiros. «Às vezes perguntam-me porque é que mudei. Eu não mudei. Na altura, pertencia à comissão de trabalhadores porque queria ajudar a salvar a empresa. Era a minha casa. Tinha salários em atraso, os navios já não iam parar à Lisnave porque a empresa estava permanentemente parada com greves. A vontade política da CGTP sobrepunha-se à realidade do negócio. Havia oito mil trabalhadores que iam ficar sem empregos».
Foi o principal mentor de um acordo social entre trabalhadores e administração que permitiu manter a atividade do estaleiro. A empresa comprometeu-se a pagar os salários em atraso em dois anos e foram negociados aumentos de 25% – na altura a inflação atingia níveis pouco recomendáveis. Em contrapartida, os trabalhadores aceitaram parar com as greves.
Com o sucesso da solução na Lisnave, teve desafios do PS para seguir a vida política. Na altura, Vítor Constâncio dirigia o partido e Torres Couto era o responsável pela área do trabalho, mas o cansaço com as lutas políticas falou mais alto. «Cansei-me das guerras, das intrigas, da inveja. Bati com a porta. Voltei ao posto de trabalho de origem. Estudava no Técnico à noite e só queria acabar o curso de engenharia».
Não acabou. Pouco depois de retomar o posto de trabalho, a família Mello decide dar uma oportunidade ao jovem trabalhador que havia desbloqueado o impasse nos estaleiros, reconhecendo-lhe capacidades de gestão. É convidado para diretor-geral da Metalúrgica Luso-Italiana, que na altura era do grupo, e chegou depois a administrador – o único do grupo Mello sem um canudo universitário. Há 20 anos, quando a família lhe comunica que queria vender a empresa de fabrico de torneiras, teve um «clique»: propôs comprar ele próprio a unidade fabril, e assim aconteceu. É empresário desde então e nasceu aí a passagem para o associativismo empresarial, primeiro para a associação da metalurgia e depois para a CIP, onde substituiu Francisco Van Zeller.
Uma lição de vida na doença
Está a meio do segundo mandato na confederação e ainda não sabe se irá avançar para o terceiro. Em 2012, foi-lhe diagnosticado um tumor no pâncreas. Felizmente era benigno, mas obrigou-o a três operações em poucos dias, a transfusões de sangue e a complicações pós-operatórias que o puseram em risco de vida. Hoje está completamente recuperado, mas as prioridades são outras. A correria abrandou. Os netos, a vida em família, as viagens ao Alentejo em que nasceu ganharam outro significado. «Passei por uma prova de vida dura. Até este episódio, julgava-me imortal. Quando percebi que não era, mudou tudo».