O medo da dissensão e a intolerância a críticas deixaram o regime de Nicolás Maduro entre a espada e a parede – e a resposta é violenta, em vésperas das eleições legislativas de 6 de dezembro. Líderes da oposição encarcerados, banidos de concorrer no processo eleitoral, ameaçados de morte ou abatidos a tiro compõem o retrato venezuelano, com recentes sondagens a colocar a oposicionista Mesa da Unidade Democrática (MUD) a somar a maioria das intenções de voto.
Porque a perda democrática do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) na Assembleia não entra na equação de Maduro, o PR avisou há dias que não permitirá a novos inquilinos parlamentares tentarem “negar os recursos ao povo”. À derrota nas urnas, Maduro responderá com tropas nas ruas. Está “espiritual, política e militarmente preparado”.
Ao recado juntam-se as ações. Os últimos meses pautaram-se pela tentativa de desmembrar e neutralizar a oposição. O rosto dos protestos do ano passado, Leopoldo López, líder da Vontade Popular, foi condenado a 14 anos de prisão por incitar à violência, num julgamento desacreditado. O procurador que o acusou fugiu do país e pediu asilo aos EUA: no mês passado, Franklin Nieves admitiu à CNN que López foi preso porque “temiam a liderança dele”.
Lilian Tintori espalha a mensagem do preso político e marido. Ao Financial Times, deixou a acusação: “Se me acontecer alguma coisa, isso será da direta responsabilidade de Nicolás Maduro”. Num comício com Tintori, o líder oposicionista regional Luis Díaz foi morto a tiro na semana passada. Também Henrique Capriles – que em 2013 perdeu as presidenciais – admitiu que já houve disparos em encontros durante a campanha. Semelhantes queixas multiplicam-se.
O aparelho do Governo atira as culpas para grupos de extrema-direita, a oposição fala em intimidação, num país que ocupa o segundo posto da mais elevada taxa de homicídios do mundo. Se sobram armas, falta emprego, bens de consumo essenciais, com longas filas para comprar leite ou papel higiénico. A economia venezuelana respira à cadência das exportações de petróleo: está à beira do sufoco. A inflação é estratosférica, a rondar 159%. São mais de 30% os venezuelanos que pretendem emigrar, segundo a Datanálisis. A mesma empresa de sondagens aponta 56% de votos para a MUD, contra 37% para o PSUV.
O partido no poder tem tudo para o perder hoje – naquela que poderá ser a primeira derrota em 17 anos. Mas uma vitória por maioria simples, para a oposição, pode não chegar. Com 84 dos 167 lugares, a MUD garante o mínimo: chumbar o orçamento geral do Estado, derrubar o presidente da Assembleia e poderoso aliado de Maduro. Dois terços dos parlamentares asseguram por exemplo alterações à Constituição, escolha dos membros do Supremo Tribunal, amnistiar presos políticos – e tentar revogar o mandato de Maduro.
As eleições serão observadas pela União das Nações Sul-Americanas, já que Caracas recusou a presença da Organização dos Estados Americanos (a que pertencem os EUA). No dia 21, na reunião dos países do Mercosul, o recém-eleito PR argentino Mauricio Macri vai mostrar cartão vermelho ao homólogo venezuelano, por violações aos direitos humanos, exigindo a suspensão de Caracas do bloco regional. Nessa altura, se Maduro cumprir o que prometeu, já estará na “rua com o povo”, esses “milhões” com quem assegura formar “um bloco compacto de revolucionários”. Ou estará simplesmente sozinho?