Até quando vai fazer sentido falar na ilegitimidade política de Costa?
Essa questão existiu, existe e vai existir. Mas tão ou mais importante do que isso é que os portugueses escolheram o programa da coligação com eventuais matizes do segundo partido, o PS. O que temos agora é uma solução completamente diferente: o programa do PS todo retalhado com soluções da esquerda. Temos a governar não apenas derrotados, mas também programas que os portugueses não escolheram – e isso é algo que ficará sempre.
A oposição pode esgotar-se nisso?
Nós rejeitamos o programa do Governo, não apenas obviamente pelas condições em que este Governo surge, mas pelas diferenças do caminho, que se tornaram ainda mais claras com esta esquerdização do PS.
O PSD está a encostar à direita?
Nós tivemos de fazer uma governação muito difícil, com opções difíceis, com recursos escassos. As escolhas que tivemos de fazer ainda no Governo e agora ainda mais no programa eleitoral mostram-nos como um partido social-democrata.
Estão no centro?
Somos um partido de centro e verdadeiramente social-democrata. Note-se a ênfase que o programa coloca no combate às desigualdades. As pensões que foram cortadas foram acima dos 4.500 euros. E na semana passada voltámos a apresentar um projeto de lei que pede contribuições ao setor farmacêutico e às empresas de energia. Muitos setores protegidos – com as rendas das telecomunicações, rendas da energia e PPP – foram cortados. Muitos monopólios de interesses foram cortados. E a juntar a isso temos outro aspeto que normalmente distingue o centro que é a radicalização versus o radicalismo.
Mas essa moderação não se está a perder? Pelo menos na linguagem?
Eu creio que é normal em períodos de maior intensidade isso refletir-se na emoção das pessoas e na sua expressão. Ainda assim, tem sido possível manter a civilidade e a educação nas intervenções. E é evidente que temos todos de fazer esse esforço de distinguir divergência e oposição de agressão. O tom vai estabilizar com o tempo.
Há uma grande convergência com o CDS. O que é que vos separa?
Somos partidos diferentes. Mas posso até assumir o contrário. Acho que existe hoje muita cumplicidade pessoal, não apenas entre os líderes, mas nas estruturas. Há uma sintonia de diagnóstico sobre o que aconteceu ao país – por que chegámos onde chegámos e o que está a acontecer. E há uma convergência de visões para o futuro.
Até quando?
Nós já não temos um acordo de coligação, não temos um contrato a prazo. O que há é uma relação aberta, que por isso não tem prazo, e é feita de diálogo, que acaba por ser mais forte com essa cumplicidade pessoal, sintonia de diagnósticos e convergência para o futuro. Obviamente, não perdemos a nossa diferença. Não a perdemos quando tivemos de fazer diversas escolhas quando elaborámos o programa do Governo e o programa eleitoral. Ao longo dos próximos anos, provavelmente poderemos ter ideias diferentes sobre vários aspetos.
Essa relação com o CDS deve ser debatida no Congresso do PSD, em abril?
Acho perfeitamente aceitável que se possa querer discutir isso. Como militante do partido, sinto-me muito confortável com este modo de relação. Tal como acho aceitável que se possa querer discutir a nossa relação com o PS.
Que será como?
Um caminho de oposição. Pode haver quem ache que não se deve fazer oposição.
Oposição sem dar a mão?
Não se trata de dar ou não a mão. Isso foi linguagem figurativa. Nós temos um diagnóstico e uma visão para o país, que está plasmada no nosso programa, de acordo com o qual agiremos e que nos fará estar do lado da responsabilidade e da defesa dos interesses do país.
Disse que o programa do PS está retalhado. Mário Centeno não vai aplicar o seu programa?
Ele é um ministro derrotado. As convicções que ele trouxe foram todas derrotadas pelo acordo com as esquerdas. Foi derrotado pela coligação de esquerda. Mário Centeno escreveu num livro que um aumento do salário mínimo nacional acima da produtividade destrói emprego e é altamente prejudicial para os trabalhadores que estão imediatamente acima desse patamar.
O próximo Presidente deveria voltar a dar voz aos portugueses para repor a legitimidade política?
O próximo Presidente tem de ler a situação. A minha posição é conhecida. Eu já participei em atos públicos da candidatura do professor Marcelo. Convictamente, acho que é de longe a pessoa mais bem preparada, mais sensata, mais moderada, mais capaz e mais conhecedora do seu país, entre os vários candidatos conhecidos. Uma campanha presidencial não serve para escolher um programa de governo nem um itinerário de decisões: é para escolher uma pessoa com um perfil e certas características.
Ou seja, não quer eleger Marcelo para tirar Costa do Governo?
Acho mais: as eleições presidenciais são para um cargo que tem no sistema português muito mais importância do que alguns partidos tentaram dar-lhe neste processo. Não deve ser instrumentalizado. É uma eleição de alguém que, uma vez eleito, tem muitos poderes. Não vou estar a dizer que escolho um Presidente com um mandato para fazer isto ou aquilo.
A ideia do crédito fiscal foi do CDS. Arrepende-se da forma como foi feito o cálculo da devolução da sobretaxa?
Eu nunca começaria dizendo que foi uma ideia do CDS. Foi uma medida do Governo. Estávamos confrontados com duas opções: ou reduzíamos o valor da sobretaxa – que era uma opção mais simpática em ano de eleições – ou fazíamos um exercício mais prudente e que era dizer que, se dois impostos crescerem acima da nossa previsão, pela primeira vez em Portugal vai haver um mecanismo em que todo o excedente fiscal vai ser devolvido aos portugueses.
O que correu mal em termos políticos?
O próprio secretário de Estado [Paulo Núncio] reconheceu que um sistema de comunicação assim gera expectativas. Agora, se ler todas as declarações, mesmo em campanha eleitoral, há palavras de precaução. Se quiséssemos ser eleitoralistas, tínhamos aumentado a despesa ou removido a sobretaxa.
Passos Coelho é o líder de que o PSD precisa neste momento?
Absolutamente. Eu, mais do que ser leal, e sou muito, acredito muito nele. Tenho uma grande admiração e reconhecimento. Tirou o país da situação em que estava e conseguiu fazê-lo deixando Portugal em recuperação. E conseguiu fazer outra coisa, que foi ganhar as eleições. Tem visão, características pessoais de bom governante e bom gestor, e é um político vencedor. Eu nasci no ano em que Sá Carneiro morreu e, portanto, só o conheço por aquilo que li, mas creio que Passos Coelho é o líder – e não me estou a esquecer de nenhum – que mais se aproxima dele.
Foi vítima de um episódio caricato, quando nas redes sociais se difundiu a ideia de que tinha insultado Mariana Mortágua no plenário. Que marcas deixa isso?
Quem me conhece sabe que aquilo não podia acontecer. Tive espontaneamente um colega, que foi o João Galamba [do PS] que veio confirmar que eu não tinha dito isso. A própria Mariana Mortágua veio dizer que eu não tinha dito isso. Acho que os políticos têm de ter ao mesmo tempo uma pele grossa e porosa. Grossa para aguentar o que dizem, mesmo quando os ataques são pessoais. E porosa para não nos tornarmos insensíveis e estarmos na política pelos bons motivos.