Quanto à forma, Marcelo Rebelo de Sousa esteve, globalmente, bem. O desafio que se lhe colocava consistia em saber se estaria apto a moderar o seu estilo de comentador e analista político para se afirmar como um verdadeiro candidato político. Pese embora Marcelo tenha cedido, aqui e ali, ao seu estilo de traçar cenários, avançar explicações e gizar construções teóricas, não temos dúvidas de que superou o desafio: foi claro, com uma linguagem acessível e imediatista. Cremos, todavia, que foi demasiado hermético e teórico puro na explicação que deu sobre a sua conceção dos poderes presidenciais (falou como se a audiência, toda ela, fosse versada em Direito Constitucional ou que, no mínimo, mantivesse algum interesse por questões dogmáticas de Direito Constitucional) e demasiado analista na explicação que deu sobre as motivações da sua candidatura.
Ao candidato não se exige que analise ao detalhe todos os resultados eleitorais possíveis, nem que cogite sobre as consequências dos resultados eleitorais que poderá vir a ter – exige-se, pelo contrário, convicção, determinação e confiança firme, mas (ou sobretudo) racional, nos seus méritos próprios e na sua vitória. Marcelo não pode dizer que, em caso de derrota, volta à sua vida normal, que dará aulas, volta à análise da situação política nacional e que voltará à Presidência do Conselho Diretivo da Fundação Casa de Bragança! Não: Marcelo Rebelo de Sousa tem de dizer que vai ganhar as eleições presidenciais e será um Presidente da República dedicado, honrado, talentoso e patriota. E que não lhe passa qualquer outro cenário pela cabeça… Caso contrário, Marcelo concede espaço a Maria de Belém para manter a sua toada radical e de ataques pessoais, colocando Marcelo Rebelo de Sousa a um mero comentador político talentoso, cuja paixão é a cenarização e a criação de factos políticos.
Até por esta circunstância: Marcelo Rebelo de Sousa já deve ter percebido que os seus adversários já desistiram de discutir as elevadas matérias das conceções sobre os poderes constitucionais do Presidente da República, sobre o sistema de Governo ou sobre a margem de manobra do Presidente para resolver os problemas concretos dos portugueses – Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém optaram pelo ataque de caráter e pela radicalização do discurso. Quer Nóvoa, quer Belém já só jogam para a segunda-volta: já assumiram a derrota. Querem empatar jogo, descredibilizar Marcelo – e com a descredibilização do professor de Direito Constitucional conquistar alguns votos negativos que permitam prolongar a festa das eleições e, consequentemente, a sua vida política (nos portugueses é que nunca pensam!). E, portanto, impõe-se que Marcelo adote um discurso, a um tempo, político e moderado.
Por outro lado, confessamos que não apreciámos o recurso por parte de Marcelo Rebelo de Sousa a uma frase de António Costa, em entrevista ao jornal “Público”, segundo a qual os partidos de centro-direita contestam a legitimidade política do Governo da extrema-esquerda com o extremo-PS por uma questão de azedume político ou ressabiamento político. Ora esta frase de Costa é uma afirmação de pura guerrilha política e de ataque impetuoso ao espaço político do centro-direita: logo, um candidato presidencial não pode colocar-se na posição caricata de citar uma frase de ataque do líder do PS ao líder do PSD. Se fosse uma declaração política de grande conteúdo e significado para o futuro de Portugal, se fosse uma declaração que enunciava os pressupostos da ação governativa para os próximos anos – aí Marcelo Rebelo de Sousa poderia, e porventura deveria, citar António Costa. Agora, dar ressonância mediática a uma frase de guerrilha político-partidária dita por António Costa, ainda para mais com um tom de aceitação e de concordância com o seu teor, parece-nos manifestamente excessivo e desajustado. Marcelo Rebelo de Sousa – que será com mérito Presidente da República de todos os portugueses daqui a dois meses – não pode colocar-se na posição de subscrever frases de líderes políticos que se limitam a fazer julgamentos de personalidade e estados emocionais de outros líderes políticos.
Nas redes sociais, o povo de centro-direita indignou-se com tais declarações de Marcelo: embora consideremos que não foi um momento feliz de Rebelo de Sousa, julgamos que a reação foi também excessiva. Em Direito, quando nos defrontamos com uma norma jurídica que comporta várias interpretações, sendo algumas deles contrárias à Constituição, para evitar invalidar a norma por inconstitucionalidade, procedemos à chamada interpretação conforme à Constituição. Ora, para compreender o alcance de certas declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, por vezes, temos de fazer uma interpretação conforme à Constituição histórica e pessoal de Marcelo, ou seja, ao seu passado como protagonista e como analista político. Marcelo tem a tese – bem fundamentada e deveras realista – que, em política, 90% das questões são questões (não ideológicas, não programáticas) meramente de suscetibilidades pessoais. De estados emocionais pessoais: de irritações, de amuos, de azedumes, de alegrias, de euforias e de inveja e de ciúmes. E, portanto, a psicologia assume-se como uma ciência indispensável para a compreensão do fenómeno político e para a atuação dos agentes políticos.
No caso concreto de Pedro Passos Coelho, a irritação e a insistência no problema da ilegitimidade política do Governo apoiado pelo PCP e pelo BE derivam da amargura pessoal e frustração de expectativas da pessoa, do homem que ganhou as eleições – mas que acabou, no fim do dia, por as perder. Nas palavras de Marcelo, não há, pois, qualquer juízo político sobre a atuação de Passos Coelho (positiva ou negativa), nem tão pouco uma apreciação global dos méritos da atual situação política – há apenas uma solidariedade e compreensão pela circunstância de vida de Pedro Passos Coelho. Não há uma desvalorização do político – há uma valorização do homem e do servidor da causa pública, Pedro Passos Coelho. Não há qualquer razão para a direita se irritar – pelo contrário, deveria subscrever as palavras de Marcelo, com esta interpretação, que aglutinando os elementos literal, histórico e sistemático, é a mais correta.
Posto isto, quanto ao conteúdo, Marcelo esteve, igualmente, bem. Ao puxar pelos galões da sua experiência de ensino de Direito Constitucional, Marcelo demonstrou conhecer com profundidade e sabedoria o conteúdo da Lei Fundamental da nossa Pátria – ao contrário dos seus adversários (Sampaio da Nóvoa admitiu que só agora começou a ler a Constituição; Maria de Belém foge a sete pés de matérias constitucionais, o que é estranho porque o Presidente garante cumprir e fazer cumprir a Constituição). Além disso, Marcelo comprometeu-se a aproximar o órgão Presidente da República dos portugueses: o primeiro magistrado de Portugal, o nosso Chefe de Estado, não pode eximir-se ao contacto permanente com o extraordinário povo português.
Em segundo lugar, Marcelo Rebelo de Sousa declarou que não irá fazer uma campanha tradicional com outdoors, arruadas e brindes, o que lhe permite reduzir substancialmente os custos da campanha. Muito positivo: por um lado, permite a Marcelo ser independente e imparcial, não ficando refém de interesses económicos e financeiros; por outro lado, em cenário de escassez e de privação material que muitos portugueses sofrem, Marcelo Rebelo de Sousa dá o exemplo, o que, do ponto de vista do poder simbólico, é muito salutar. Apurámos, ainda, que Marcelo Rebelo de Sousa está a ponderar dar o remanescente do valor da subvenção estatal a que, por lei, terá direito, a uma instituição de solidariedade social. Exemplar, num tempo em que a ética e a moral parecem escassear na vida política nacional.
Um reparo apenas: Marcelo Rebelo de Sousa teorizou muito sobre o uso pelo Presidente da República do poder de dissolução da Assembleia da República, afirmando que qualquer Governo deve durar o tempo correspondente à sua legislatura. O Governo de António Costa ou qualquer outro Governo, independentemente das formações políticas que o componham. O que Marcelo Rebelo de Sousa não pode ter medo de dizer é que usará os poderes que a Constituição lhe confere sempre em nome do interesse superior de Portugal. Que não hesitará um minuto se o interesse de Portugal e a melhoria das condições de vida dos portugueses – presentes e futuros – impuser a utilização do poder de dissolução, de exoneração do Primeiro-Ministro, de veto de diplomas legislativos ou de fiscalização da constitucionalidade. Ou até de intervenções políticas ao país. Nós, o Povo Português, não queremos mais um Presidente enfeudado a uma força política, a um Governo, fechado no seu Palácio a estudar todas as soluções (e, pelo vistos, a estudar mal e a chumbar no exame!). É tempo de termos um Presidente patriota. Não há que ter medo da palavra: patriota.
Já agora, gostaríamos muito que Marcelo Rebelo de Sousa usasse mais a palavra “Portugal”, “Pátria”, “lusofonia”, “portugalidade”: usou pouco na última entrevista à SIC. Nós não queremos saber se Marcelo dá a mão a Costa, se dá a mão a Passos Coelho, se prejudica o PS ou se prejudica o PSD. Só exigimos uma coisa: que beneficie sempre, sempre e sem hesitar, Portugal, as portuguesas e os portugueses. E que tenha orgulho na sua Pátria, sem medo e com convicção.
Enfim, que Marcelo Rebelo de Sousa seja um patriota, promotor da necessária coesão nacional – e sem ficar refém dos traumas da esquerda que têm capturado o discurso político nas últimas décadas. Nós, pessoalmente, não temos dúvidas que Marcelo será o próximo Presidente da República Portuguesa. E a entrevista revelou que é melhor preparado do que qualquer dos seus contendores para o exercício do cargo: Marcelo Rebelo de Sousa não foi – não é! – um animador ou um hiperativo inconsequente: foi, na entrevista à SIC, já um institucionalista e um estadista. Maria de Belém poderia aprender alguma coisa, em vez de optar pelo caminho fácil (e pouco ou nada sério) dos ataques pessoais…
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