Quando três são mais iguais do que os outros

No início do presente mês, já demos conta no artigo do passado dia 9 que o Futebol português foi surpreendido pelo anúncio da cedência dos direitos televisivos por 400 milhões de euros, dos jogos da S.L. Benfica SAD na Liga Portuguesa, à operadora de telecomunicações NOS.

O referido acordo entre a NOS e os “encarnados”, como se sabe, será válido inicialmente por três temporadas, mas poderá prolongar-se por uma década, e engloba também a Benfica TV.

No âmbito desse acordo, como já é do conhecimento público, a SAD do Benfica, irá receber 36 milhões de euros no primeiro ano (2016/17), correspondente a 27 milhões pelos direitos televisivos e 9 milhões pela distribuição da BTV.

Este valor vai aumentando progressivamente nas temporadas seguintes, e a final, a NOS irá pagar aos “encarnados” o valor redondo de 400 milhões de euros, sendo que 75% deste valor corresponde aos direitos televisivos e 25% à distribuição da BTV.

Entretanto, conforme há algum tempo esperado, e em resposta ao referido contrato, a SAD do FC Porto confirmou este domingo, um acordo de 457,5 milhões de euros com a Meo (PT Portugal) através de comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

Com este acordo, os ‘dragões’ determinam a cedência dos “Direitos de Transmissão Televisiva dos jogos disputados pela Equipa Principal de Futebol, na qualidade de visitado, na Primeira Liga” e “do Direito de Exploração Comercial de Espaços Publicitários do Estádio do Dragão, pelo período de 10 épocas desportivas, com inicio em 01 de julho de 2018”, ou seja, após o final do contrato da PPTV, liderada por Joaquim Oliveira.

Assim, a SAD “azul e branca” assegura também o regresso do Meo à camisola da equipa que lidera atualmente a Primeira Liga, já a partir de 1 de janeiro de 2016, “pelo período de 7 épocas e meia”.

A operadora detida pela Altice volta a ocupar a frente da camisola dos “dragões”, já a partir do clássico Sporting vs. FC Porto, a 2 de janeiro do próximo ano, e após uma interrupção de seis meses numa ligação de longa data. O documento refere ainda, da cedência dos direitos de transmissão do Porto Canal, a partir de 1 de janeiro de 2016, por um “período de 12 épocas e meia”, concluindo-se que, a estação será novamente detida pelo FC Porto, após a conclusão do negócio.

Em virtude da celebração deste contrato entre a MEO/Altice e a SAD do FC Porto, surgem notícias que a SAD “encarnada” tem agora a oportunidade de ver o seu acordo com a NOS melhorado em 10% do valor acima referenciado, em virtude de uma cláusula contratual acordada com a operadora NOS .

Perante o presente cenário, a SAD do Sporting, que não está alheada destes negócios, ainda não anunciou qualquer acordo com nenhuma operadora, mas estará, seguramente, a negociar com contornos e valores de grandeza aproximada.

Segundo notícias vindas hoje a público, a SAD do Sporting está muito perto de fechar um acordo histórico com a operadora NOS para a venda dos seus direitos de transmissão televisivos mediante a celebração de um contrato de longa duração – provavelmente 10 anos – onde se inclui os direitos televisivos, a publicidade nas camisolas e que poderá mesmo ultrapassar os 457,5 milhões de euros que a MEO/Altice pagará à FC Porto SAD.

Nesta situação, ao contrário do que sucede, por exemplo, na contratação de jogadores ou treinadores, celebrar contrato de cedência dos direitos televisivos, com o conhecimento prévio dos contornos dos negócios dos rivais, é uma considerável vantagem negocial.

No meu entendimento, a SAD do Sporting terá um papel preponderante no “desempate” pelo domínio e liderança dos direitos televisivos dos jogos de futebol entre as mencionadas operadoras nos próximos anos, o que inevitavelmente, poderá determinar, a celebração de um contrato com condições mais vantajosas para a SAD leonina, dos anteriormente estabelecidos pelas SAD “encarnada” e “azul e branca”. E não faltará muito tempo, até que este facto, seja conhecido e/ou comprovado publicamente.

Porém, como se sabe, e ainda que muitos ignorem a realidade em que vivemos, o futebol português não vive só dos denominados “Três Grandes” ainda que estes, tenham uma importante função na competição maior do nosso futebol profissional.

É do domínio público que, todos os outros clubes têm acordos com a Olivedesportos até ao final da época 2017-18. E ainda que seja certo que, haverá mais duas épocas e meia para negociar, a verdade é que, na sequência dos contratos celebrados pelas SAD de Benfica e Porto, muitos deles, já estão a negociar individualmente os termos dos contratos ainda em vigor.

De acordo com os contratos ainda vigentes com a Olivedesportos, a SAD do FC Porto deverá receber cerca de 16 milhões anuais, com a SAD do Sporting a receber cerca de 15 milhões, sendo do domínio público que, com três ou quatro exceções, as restantes SADs receberão cerca de um décimo destes valores. O que demonstram, inequivocamente, que os direitos televisivos estavam até aqui, subavaliados.

Ainda recentemente, diversos meios de comunicação social, noticiaram que Boavista, Vitória de Guimarães e Belenenses estarão a negociar com a MEO/Altice e também o União da Madeira, revelou através do seu Presidente Filipe Silva que, já tem uma proposta de um operador, sem no entanto dizer qual é.

Deste modo, esgotada a possibilidade da venda centralizada global dos direitos televisivos, em virtude do comportamento das SAD do Benfica, Porto e Sporting que enveredaram pela negociação negocial, abre-se a oportunidade, à capacidade da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) em reunir esforços de representação das Sads remanescentes que compõem a nossa Primeira Liga, bem como, às da II Liga onde os valores auferidos pelos direitos televisivos ainda são substancialmente inferiores aos anteriormente referidos. Todavia, é gritante a incapacidade da LPFP, em conseguir avocar para si este papel preponderante, optando as SADs pela negociação individual.

A meu ver, a negociação individual das SADs fragiliza-as do ponto de vista negocial, sendo inequívoco que, uma negociação coletiva e concertada entre estas com as diversas operadoras, poderia originar a obtenção de um encaixe financeiro muito superior, e posteriormente, realizar-se uma redistribuição, primeiro equitativa e, depois, em função dos resultados desportivos alcançados.

Neste sentido, ainda que neste momento, seja uma utopia falar-se da possibilidade de um centralização global de cedência dos direitos televisivos, ainda é possível e desejável, realizar-se uma centralização parcial em nome de algumas SADs, através de uma organização conjunta e concertada pelas mesmas, atendendo à inutilidade da LPFP nesta matéria.

É urgente que, os denominados “clubes de pequena e média dimensão” tenham de saber adaptar-se às circunstâncias de mercado atual, tendo em conta que, as receitas dos direitos televisivos são “apenas” a sua “tábua de sustentabilidade económica” para os próximos anos.

De outro modo, como a perspectiva de aumento das diferenças económico-desportivas entre grandes e pequenos, como consequência direta da não centralização global ou parcial dos direitos televisivos, o prorrogar desta situação, necessariamente conduzirá à distribuição sucessiva de valores ainda mais injustos até á insustentabilidade financeira e desportiva das competições, e é certo que o futebol português não consegue viver apenas com três SADs.

Numa competição desportiva profissional, onde o princípio da igualdade está consagrado legal e regulamentarmente, é caso para dizer que o futebol português, será em breve, o maior exemplo de que entre iguais, existirão sempre três… que serão mais iguais do que os outros.

Lúcio Miguel Correia, Docente Direito do Desporto Universidade Lusíada de Lisboa e Advogado na MGRA Soc. Advogados