Marcelo contou até 100 e a campanha acabou

Cumprindo o guião até ao fim, andou por terrenos de esquerda, distanciou-se como pôde do PSD e do CDS e assumiu posição na polémica da semana sobre as reformas dos políticos. Acaba hoje a volta pelo país no mesmo sítio onde a começou: a terra da avó Joaquina.

«Eles querem que eu me enerve, mas eu conto até 100. E quando chegar a 100 a campanha acabou». A tática foi revelada por Marcelo Rebelo de Sousa quando lhe perguntaram como se comportaria no debate de terça-feira, mas valeu-lhe para a campanha toda. Com a semana final dominada pela polémica das subvenções vitalícias dos políticos e pela morte de Almeida Santos, Marcelo conseguiu fazer o que mais queria: evitar erros.

Cumprindo o guião, o candidato manteve-se longe dos grandes eventos e substituiu mesmo o comício de encerramento que chegou a ser pensado pelo seu mandatário local em Braga por uma «sessão pública», logo à noite, na terra da sua já famosa avó Joaquina, em Celorico de Basto. Acaba, assim, no sítio onde em outubro anunciou que era candidato a Belém, depois de meses de especulação.

Os palcos da esquerda

Marcelo não se desviou em nada do que disse que iria fazer. Procurou fugir o mais que pôde às máquinas e às figuras do PSD e do CDS, mesmo que elas acabassem por se notar na campanha. Fez uma volta tão low cost, que hoje inclui aquilo que a própria candidatura anuncia na sua página oficial como um «almoço frugal em Barcelos». E foi tentando apresentar-se como o candidato «da esquerda da direita», chegando mesmo a entrar em terrenos históricos do PCP (como a Voz do Operário, onde arrancou a pré-campanha, em Lisboa), ou a Academia Almadense (Almada), onde esteve esta segunda-feira.

Nesta cidade, Marcelo teve mesmo o apoio do melhor amigo e socialista Eduardo Barroso, que relatou uma conversa antiga com o candidato para atestar a tese da aproximação ao centro-esquerda. «A minha costela liberal está a ir mais para a social-democracia. Estás a ir da esquerda para a direita e eu da direita para a esquerda – qualquer dia cruzamo-nos», ter-lhe-á dito Rebelo de Sousa, há 27 anos.

Num roteiro de memórias de esquerda, Marcelo acabou por fazer um ‘quase-comício’ em Santa Apolónia, a estação por onde passou a candidatura de Humberto Delgado em maio de 1958 e onde chegou Mário Soares a 28 de abril de 1974, vindo do exílio. Mas se Delgado ou Soares tiveram enchentes a saudá-los, Marcelo teve apenas a maior concentração de apoiantes partidários desde o início da campanha.

Manuela Ferreira Leite, Assunção Esteves, Diogo Feio e o dirigente do PPM Gonçalo da Câmara Pereira estavam na gare para ouvir o discurso do professor, que dali partiu de comboio para o Porto, não sem antes posar para a fotografia com Ferreira Leite, num dos poucos retratos que ficam desta campanha ao lado de figuras destacadas do PSD.

Ângelo Correia aparece sem ser convidado

Horas antes, tinha sido visível o embaraço com a presença de Ângelo Correia, que apareceu sem ser convidado no Centro de Educação do Cidadão com Deficiência em Mira-Sintra.

O episódio tornou-se ainda mais insólito depois de o candidato ter passado pelo histórico social-democrata à entrada sem o cumprimentar. O cumprimento aconteceria apenas minutos depois, quando Ângelo Correia se pôs no caminho de Marcelo.

«Histórico, histórico. Grande figura da democracia», lá foi atirando o candidato enquanto abraçava o antigo ‘barão’ do PSD, perante as câmaras de televisão. Mas não passou despercebida a surpresa e a falta de vontade de ficar na fotografia abraçado ao homem que ajudou Passos Coelho a chegar à liderança social-democrata e depois se afastou do ex-primeiro-ministro. «Sei que ele vivia aqui perto, mas não sabia que vinha cá», confessou aos jornalistas.

Mais fácil foi contornar a polémica das subvenções vitalícias dos políticos que dominou a última semana de campanha eleitoral – e que causou mossa sobretudo à candidata Maria de Belém.

«Eu não queria analisar pessoalmente. Basta dizer que tenho reticências em relação ao subsídio em si desde sempre e que tenho dificuldade em compreender, em termos de justiça, uma decisão que considere que a crise já passou e que a proteção das expectativas jurídicas explica que haja uma categoria de portugueses que não tenha os sacrifícios que tiveram outras categorias de portugueses», respondeu, sem se querer pronunciar sobre a intervenção de Maria de Belém no caso.

Enquanto a ex-ministra da Saúde passou a semana a tentar desembaraçar-se do caso e Sampaio da Nóvoa se desdobrou em declarações, indo ao ponto de anunciar que renunciará a qualquer subvenção como ex-Presidente da República – caso venha a ser eleito –, Marcelo escapou à polémica, mesmo que Marisa Matias o tenha tentado colar ao tema no debate desta terça-feira. «Na altura estranhei o silêncio de alguns candidatos relativamente a esta questão, que acho mesmo uma vergonha, mas depois percebi: estamos a falar de uma lista de deputados onde se incluem apoiantes do doutor Marcelo Rebelo de Sousa, do doutor Sampaio da Nóvoa e apoiantes da doutora Maria de Belém», atacou a candidata apoiada pelo BE.

Ontem, no Porto, Marcelo foi mais claro: «Eu sou contra as subvenções vitalícias. E nunca recebi nenhuma», respondeu a um popular que o interpelou. Depois, aos jornalistas, acrescentou que, se for eleito, irá tentar influenciar os outros órgãos de soberania a tomarem decisões nesta matéria.

margarida.davim@sol.pt