A agência de rating DBRS, que permite o acesso de Portugal a financiamento do Banco Central Europeu (BCE), tem dúvidas sobre o Orçamento do Estado para 2016. A empresa canadiana considera que podem ser necessárias novas medidas de contenção do défice e que os pressupostos de crescimento são «otimistas» e «podem levantar preocupações» sobre a consolidação das contas públicas. Caso a agência decida rever em baixa a classificação portuguesa, o risco de um novo programa de assistência financeira surge no horizonte.
Em declarações ao SOL, a analista da DBRS para Portugal, Adriana Alvarado, considera que a previsão de crescimento de 2,1% «parece otimista» quando quando comparada com a do Banco de Portugal, de 1,7%. Quanto à redução do défice estrutural, o ajustamento previsto pelo ministro Mário Centeno é classificado como «modesto e abaixo do que exige a Comissão Europeia». Por este motivo, pode ser necessário «um compromisso para alcançar um esforço orçamental mais elevado».
Consequências pesadas
Por outro lado, acrescenta Adriana Alvarado, a redução do défice global confia «em grande medida» na recuperação da economia, o que «pode gerar preocupações sobre a durabilidade do ajustamento orçamental» e torna a consolidação orçamental «mais vulnerável a um crescimento mais fraco do que o esperado».
Assim, a correção das contas públicas poderá «exigir medidas orçamentais de caráter mais estrutural».
A analista indica que está a monitorizar «continuamente» a evolução de Portugal e a resposta do Governo a novas recomendações da Comissão Europeia, para avaliar se deve haver «ajustes» no rating.
As agências de rating têm de comunicar antecipadamente a data em que vão analisar o rating de um país e, no caso de Portugal, a canadiana prevê fazê-lo a 29 de abril. A notação da DBRS é de extrema importância para Portugal, já que é a única que mantém a dívida do Estado num nível adequado para investimentos não especulativos, que dá acesso ao financiamento do BCE.
A Fitch, a Moody’s e a S&P colocam a dívida portuguesa num nível que os mercados chamam de ‘lixo’, considerado demasiado arriscado para os investidores, que o banco central rejeita nas suas operações de financiamento.
Como o banco central tem em curso um programa de compra de dívida pública que alivia os juros da dívida, ao qual Portugal não teria acesso sem a notação da DBRS, uma eventual revisão do rating levaria ao aumento do valor dos juros de Portugal, que hoje está abaixo de 3%.
O país pagaria mais para financiar-se nos mercados e haveria também implicações para os bancos. As instituições financeiras usam a dívida pública portuguesa como garantia dos empréstimos que vão buscar ao banco central, que é hoje uma das principais fontes de financiamento da banca, com a aversão crescente de investidores privados – a desconfiança aumentou depois da solução do Novo Banco, que impôs peras a credores internacionais.
Sem acesso ao BCE, os analistas antecipam dificuldades. «Se a DBRS concretizar um downgrade de Portugal para um nível de não investimento, já não seria permitido que o BCE, ao abrigo das suas próprias regras, comprasse obrigações portuguesas. As exceções seriam apenas para países sob programas de assistência, que Portugal deixou de ser há mais de um ano», refere Ralph Solveen, economista do Commerzbank, num estudo recente sobre Portugal.
Se este cenário de concretizar, oCommerzbank antevê um aumento «brusco» dos juros da dívida em abril. A solução para reganhar acesso ao financiamento do BCE poderia ser a requisição de um novo programa de assistência, mas Ralph Solveen antecipa antes outro desfecho. Para este economista alemão, mais depressa haveria eleições do que um segundo resgate. «O novo Governo certamente evitaria solicitar um novo programa de resgate (…) e poderia tentar eliminar o perigo com uma direção mais moderada na política económica. Mas isso poderia levar a um conflito com os partidos de extrema-esquerda e, portanto, a uma perda da maioria parlamentar, o que acabaria por levar a novas eleições».
Braço-de-ferro com Bruxelas
De momento, este cenário não passa disso mesmo. E, em sentido contrário, o historial da DBRS e os procedimentos habituais das agências de rating podem estar a dar alguma tranquilidade ao Governo.
Não é comum as agências de rating alterarem as classificações de um país sem antes alterarem o chamado outlook – a perspetiva futura de mudança do rating, uma espécie de aviso. O outlook da DBRS mantém-se em ‘estável’ e em teoria deveria passar para ‘negativo’ antes de uma revisão do rating.
Por outro lado, a agência canadiana assume uma postura mais estável nas classificações e não toma decisões em função de momentos de turbulência no mercado, como as americanas. Na última revisão, em novembro, já com as medidas à esquerda conhecidas, a DBRS manteve o rating do país. Na altura, uma conversa por videoconferência com Mário Centeno revelou-se determinante.
Agora, acima de tudo, a avaliação da agência depende do desfecho das negociações com Bruxelas sobre o Orçamento. Se António Costa conseguir luz verde de Bruxelas, é possível que tenha também o aval da agência de rating.
Depois de ter recebido uma carta da Comissão Europeia a pedir esclarecimentos sobre a insuficiente redução do défice estrutural, o ministro das Finanças tinha até ontem ao final do dia para responder. No debate quinzenal, o primeiro-ministro garantiu que não iria abdicar das medidas negociadas com o Bloco de Esquerda e com o PCP e afirmou que os contactos com Bruxelas são meramente técnicos.