Passos Coelho ainda não fez o luto completo do que considera ser o golpe palaciano de António Costa para chegar ao Governo, mas já está na estrada para recolher apoios à recandidatura à liderança do PSD. O partido escolhe o seu líder para os próximos dois anos no dia 5 de março e, ao que tudo indica, a vitória de Passos está assegurada – já que não está previsto o lançamento de uma candidatura alternativa (ver caixas).
Na sessão de lançamento da candidatura, esta quinta-feira, em Lisboa, Passos assumiu ainda que será (de novo) «naturalmente candidato a primeiro-ministro». Mesmo que António Costa o obrigue a esperar quatro anos na oposição. «Ele terá a solidariedade infinita do PSD», garante um dirigente social-democrata ao SOL.
O ex-primeiro-ministro, que venceu as eleições de outubro mas acabou apeado de São Bento por uma maioria parlamentar de esquerda, está disposto a esperar o que for preciso para cumprir a segunda parte do seu projeto para o país. «O projeto era para duas legislaturas e ficou a meio», frisou, depois de ler um excerto do programa do PSD aprovado no Congresso de 2012, para fazer o elogio da matriz do partido e desafiar os que o acusam de ter arrumado a social-democracia na gaveta nos últimos cinco anos: «Alguém se sente mal com este programa? Alguém vê esta orientação desvirtuada?».
Passos juntou à bandeira de Portugal que traz na lapela a bandeira da «social-democracia, sempre». O slogan vai ser repetido na volta ao país que arrancou ontem, na Guarda. O guião está definido:_trazer para a agenda do partido o combate às desigualdades sociais, a preocupação com os portugueses e a reforma do Estado. Isto segundo os princípios de uma «oposição responsável», que «deixa governar» quem está no poder e que recusa a política do «bota-abaixo e do quanto pior, melhor», garantiu.
Preparado para apagar o fogo lançado pelo PS
Passos confessa que está «preparado para ser primeiro-ministro», mas admite que não precisa que as «coisas corram mal ao atual governo e ao país», apesar de admitir que não acredita na solução da esquerda. No vídeo projetado antes da sua intervenção, para atualizar o conceito de social-democracia no século XXI, o PSD é referido como o «partido que os portugueses chamam nas situações difíceis».
No partido, há quem veja Passos «num quartel à espera de ser chamado para apagar o fogo que será provocado pelo PS», nota um dirigente ao SOL.
A imagem carrega alguma ironia: a estratégia de deixar governar o PS e de não apresentar propostas de alteração ao Orçamento do Estado, entregue ontem no Parlamento, não colhe unanimidade, sabe o SOL, mesmo entre a direção de Passos, que esta semana viu Marco António Costa desalinhar do tom definido pelo líder do partido para atacar a negociação do Governo com Bruxelas sobre o Orçamento. «Serão os portugueses a pagar esta brincadeira de mau gosto», disparou Marco António, na segunda-feira, a partir do Porto, para radicalizar o discurso.
Dois dias depois, após o encontro de Mário Centeno com os partidos em São Bento, António Leitão Amaro deitava água na fervura: o vice-presidente da bancada do PSD limitou-se a observar que não era «a primeira vez, nem a segunda, nem a terceira que o PS, mesmo no Governo, muda as previsões de crescimento, de défice, de saldo estrutural» e acusou o ministro das Finanças de, naquele dia, desconhecer a versão final do documento, já que o negociava com a Comissão Europeia. Ontem, o social-democrata constatou que o documento do Governo, «afinal, não acaba com a austeridade» e só vincula o Executivo e os partidos da esquerda que o apoiam.
A estratégia de deixar ‘a César o que é de César’ (neste caso, ao Governo o que é do Governo) pode beneficiar o partido no imediato – já que o PSD não apresenta propostas menos expansionistas do que o Executivo e, por isso, menos populares –, mas dificultará o discurso de Passos se Costa vier a cair e o líder do PSD seja obrigado a regressar ao discurso da austeridade, notam alguns dirigentes do partido. «Isso é politicamente difícil. Se o partido está calado este tempo todo, sem apresentar propostas, vai regressar com o discurso da austeridade, mesmo que o país esteja num pântano? O eleitorado vai valorizar isso», antecipa um dirigente social-democrata.
Não a mudanças artificiais
Nos dias de estrada que se seguem até à reeleição, Passos Coelho vai tentar a reconciliação com os portugueses. «Com a força de não querer falhar, posso ter levado mais longe do que seria necessária a imagem de determinação que ficou associada a esta fase de austeridade», disse na quinta-feira, admitindo a «imagem austeritária» e de «dureza» que alguns portugueses «ainda não perdoam» . Mas «não todos» porque, lembrou, ganhou as eleições.
E para os que antecipam dificuldades em liderar uma alternativa, como Rui Rio, o líder do PSD é categórico: «Não introduzo mudanças artificiais ao sabor do vento». O mesmo é dizer: não se espere uma refundação do ‘passismo’.