Um Orçamento inseguro

O reaparecimento anunciado de António José Seguro em março próximo, a pretexto do lançamento do livro com a sua tese de mestrado, além de interromper um dilatado silêncio, aborda um tema que não podia ser mais oportuno: o controlo político do Governo pelo Parlamento.

Curiosamente, a defesa da sua tese, feita com êxito em novembro no ISCTE, passou quase despercebida, ao contrário do que aconteceu no mesmo instituto com a prova académica de Carvalho da Silva.

Anunciada na página oficial do ISCTE, a «defesa da dissertação de Mestrado em Ciência Política, do aluno António José Martins Seguro», esta passou quase ao lado das agendas mediáticas.

O registo limitou-se a uma discreta notícia da Lusa, reproduzida parcimoniosamente. Os media estavam ocupados com outras coisas. Sem ser candidato a nada – salvo ao mestrado –, Seguro não atraiu as atenções dos responsáveis editoriais. E foi pena.

O cenário agora é outro. Desde logo, o livro vai ser apresentado por Viriato Soromenho Marques – um académico da área socialista – no dia seguinte à cerimónia de posse de Marcelo Rebelo de Sousa e pouco antes da votação do Orçamento do Estado na Assembleia da República.

Depois, o apresentador tem vindo a distanciar-se das opções de António Costa. Ainda na semana passada, no DN, Soromenho Marques assinalava o estado de perturbação do «sismógrafo» da dívida soberana. E fazia-o nestes termos: «Quem consulte todos os dias a evolução das taxas de juro praticadas sobre as obrigações portuguesas a dez anos tem sérias razões para se inquietar. Nos primeiros dias de fevereiro o aumento foi colossal, 29%. Só tem paralelo com uma subida ocorrida no distante ano de 1997». É um indicador severo, que o Governo desvaloriza ou finge não reparar.

Bastaram escassos meses de governação socialista, ao colo da ‘geringonça’, para credores e investidores deitarem contas à vida, fazendo refletir a desconfiança nos encargos da dívida.

A imperícia e as incertezas demonstradas no Orçamento desbarataram o que ainda restava do benefício da dúvida. É um documento órfão, como já foi chamado, sem ninguém que queira assumi-lo de corpo inteiro.

António Costa, em cruzada nas redes socais, aduba a ideia de que preferia a versão inicial do OE, antes das imposições de Bruxelas. O PCP e o BE, garantidas as reversões que lhes convinham, não se comprometem. E os mercados agitam-se. O frágil equilíbrio alcançado está a esboroar-se.

Com o carimbo de entrada na Assembleia ainda fresco, o Orçamento foi logo sujeito a uma errata de 46 páginas, onde o Governo não se limitou a corrigir gralhas, mas a mudar conceitos, que não são de pormenor.

Um deles é uma confissão de impotência. No texto, onde se prometia «uma redução da carga fiscal», passou a ler-se a «manutenção da carga fiscal». O inopinado agravamento dos impostos sobre os combustíveis, antes mesmo de debatido o Orçamento, veio comprová-lo.

Moral da história: Orçamento errático, feito em cima do joelho, fiel às clientelas do costume.

Talvez por isso, e à cautela, António Costa voltou a acenar candidamente a Passos Coelho, em entrevista ao Expresso, com «matérias que convidam a consensos políticos», enquanto Arménio Carlos se apressou a considerar, na mesma edição, que «o governo não é de esquerda. E falta muito para ser de centro esquerda».

Por este andar, ao virar da esquina, será Costa a vestir o ‘luto’ – que diz ‘respeitar’ na direita portuguesa –, quando falecer a ‘geringonça’ e lhe faltarem as muletas do PCP e do Bloco.

Pelo menos, Passos Coelho não parece disponível para repetir a abstenção e salvar o Governo de apuros no Parlamento, ao lembrar o ‘decoro’ (…) «de não pedirem o nosso apoio para combater as nossas ideias e desfazer as reformas que nós fizemos».

O contexto não podia ser mais propício ao lançamento do livro de António José Seguro.

O antigo secretário-geral do PS, derrubado por Costa, escolheu bem o momento. Resta saber se será capaz de não desiludir.

Até agora – e desde que tomou conta do PS –,Costa apenas foi contestado internamente por Francisco Assis. Mas foi sol de pouca dura.

Com receio, talvez, de ser suspeito de prejudicar a celebração do regresso à mesa do poder, Assis desmontou a tenda e afastou-se de cena, procurando refúgio nas colunas dos jornais e nos confortos de Estrasburgo. O esboço de oposição interna à esquerdização do partido ficou em banho-maria.

Mas António Costa, enquanto primeiro-ministro, está refém do artificio que inventou para salvar a pele. E, enquanto líder do PS, sabe que dececionou inúmeros socialistas, que se sentem enganados no seu voto ao vê-lo aliado à extrema esquerda. Sem aviso prévio.

Seguro bem pode lembrá-lo, à margem do seu livro.