O PS tem uma tradição de se dividir em eleições presidenciais. Em 1980, Mário Soares autosuspendeu-se como secretário-geral do partido para não ter de apoiar Ramalho Eanes, o candidato escolhido pelos socialistas. Em 2006, o mesmo Soares apareceu novamente como protagonista de um cisma presidencial, agora na pele de candidato oficial do PS – isto porque Manuel Alegre avançara sem esperar pelo apoio do seu partido. O resultado foi mau para Soares (que ficou atrás de Alegre) e para o PS (que não foi capaz de impedir a entrada em Belém de Cavaco Silva). Dez anos depois, a história repetiu-se, com Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém a disputar o voto do campo socialista.
Com este historial de divisão interna, não espanta que também nas eleições norte-americanas o coração dos dirigentes do PS hesite entre os dois candidatos que disputam as primárias no Partido Democrático, o partido ‘irmão’ do outro lado do Atlântico.
‘Ala direita do PS’ com Hillary
“Como sou da ala direita do PS, apoio a Hillary Clinton”, diz Carlos César ao SOL. O presidente do PS, apesar de liderar a bancada parlamentar que comanda a ‘geringonça’ sustentada pela extrema-esquerda na Assembleia, sempre pertenceu a uma ala mais moderada e atlantista do partido. Não espanta, por isso, a preferência pela responsável da política externa norte-americana no primeiro mandato de Obama.
Curiosamente, nas presidenciais portuguesas, César impulsionou a candidatura de Sampaio da Nóvoa, um candidato situado mais à esquerda que outra alternativa do campo socialista, Maria de Belém.
Se no PS existe uma ala esquerda, João Galamba é um dos seus membros mais destacados. Daí que corresponda à imagem política do vice-presidente do grupo parlamentar e porta-voz para os assuntos económicos a sua preferência pela candidatura de Bernie Sanders. Galamba diz que apoia “entusiasticamente” Sanders, que é o primeiro candidato a definir-se como socialista a ter hipóteses de sucesso numa eleição americana.
Já o ex-líder da Juventude Socialista Pedro Delgado Alves foi diretor de campanha de Sampaio da Nóvoa e também surge mais conotado com um PS fiel aos valores da esquerda. Por estas duas razões, a sua preferência não causa surpresa: se votasse nos EUA, “apoiaria o Bernie Sanders porque é um candidato do socialismo democrático”, que é a área onde se revê.
Nos EUA, Sanders é visto como um candidato extremista. Delgado Alves discorda desse rótulo. “No fundo, Sanders é um social-democrata na aceção nórdica, que é algo um pouco estranho para os Estados Unidos, mas é a minha área e a do PS”.
Um apoio inesperado: Álvaro Beleza
Álvaro Beleza, que integrou a direção de António José Seguro, é mais próximo da ala direita do PS e até começou por fazer parte do PSD. Assume a pertença a uma “ala socialista liberal” e nas eleições presidenciais portuguesas esteve entre os primeiros a incentivar a candidatura de Maria de Belém. Por isso não é nada óbvio que, entre Hillary e Bernie, opte pelo que está mais à esquerda. “Ele tem muita chama, é muito genuíno e é um grande orador”, justifica Beleza. “É um tipo decente, próximo das pessoas e pode ter um resultado surpreendente”.
A multiplicação de adjetivos de Beleza é produto de uma observação atenta. O socialista perde as madrugadas a acompanhar os debates das primárias americanas. E, do que vê, acha que Donald Trump tem hipóteses de ganhar a corrida à Casa Branca: “Ele é excessivo, mas é muito menos à direita do que parece. Até foi contra a guerra de Bush no Iraque”. Trump pode até ser gozado nos media, porém “as pessoas gostam de um vencedor e de um tipo que diz tudo”.
Também Manuel Alegre segue “com interesse” o combate eleitoral americano. O histórico do PS, e protagonista de duas candidaturas presidenciais, nota que estas “eleições exprimem uma tendência para o aparecimento de candidatos fora do sistema”, Donald Trump e Bernie Sanders.
De Trump, observa que é “alguém que diz as coisas mais estapafúrdias, pelo menos na sensibilidade de um europeu”. E a sua “grande resistência para ser apeado”, o que é um motivo para preocupação.
Sanders é sobretudo um um fenómeno inédito. “Nunca houve um candidato tão à esquerda te com uma votação tão alta”, realça Alegre. O socialista chama a atenção para uma leitura apressada que coloque Sanders fora do sistema. “Apesar do seu posicionamento, está integrado. Defende o direito de usar armas, que é uma tradição muito arreigada nos EUA, devido às origens do país”, nota Alegre.
“Acho que a Hillary acabará por prevalecer”, antecipa o ex-candidato presidencial, que não sente uma identificação com a mulher que se candidata à Casa Branca. “Se prefiro a Hillary? (risos) Prefiro o Bill Clinton. Ela não é emotiva, tem uma postura mais fria. Mas é muito, muito bem preparada”, remata.
A divisão sindical
Já Carlos Silva, líder da UGT e dirigente do PS, não tem hesitações quando se trata de escolher um nome. “Torço por Hillary Clinton”, revela ao SOL. A razão principal é de que uma vitória da candidata democrata representaria um marco histórico. “Depois de termos tido o primeiro negro na Casa Branca, acho que chegou a hora de também termos uma mulher Presidente”, diz esperançado.
O secretário-geral da UGT também pensa que uma vitória de Hillary valeria a pena pelo valor intrínseco da ex-secretária de Estado dos EUA. “Ela tem imensa experiência e revelou talento político, é sem dúvida adequada para liderar uma das maiores potências políticas e económicas do planeta”.
Bem mais cauteloso a opinar sobre as eleições americanas é Arménio Carlos. “Não tomo partido por nenhum candidato, é uma matéria que diz respeito ao eleitorado americano”, começa por dizer o secretário-geral da CGTP.
Dir-se-ia que, no mínimo, Arménio Carlos poderia ficar contente por, pela primeira vez, estar em campo na corrida à Casa Branca um candidato que se diz socialista. “Sim, mas vamos ver”, é a reação do também dirigente do PCP e líder da maior central sindical portuguesa.
Arménio regista que Sanders esteja a “reunir apoios consideráveis que nalguns casos rivalizam com a própria Hillary Clinton”, mas prefere esperar, antes de se identificar com o candidato. “Temos de conhecer melhor as propostas, sabendo nós que o funcionamento da democracia nos EUA é muito peculiar. Isto nem sempre funciona como às vezes nos apresentam”.
Sanders traz ‘esperança’
Neste esforço por não tomar partido, o máximo que Arménio Carlos e avança é uma preferência pelo campo do Partido Democrático, mas mesmo assim sem grande entusiasmo: “Isso é a história do menos mau, mas já tivemos situações complicadas. O importante para nós é que os EUA tenham um comportamento mais respeitoso com a soberania dos restantes países”.
No campo do Bloco de Esquerda há quem veja com “esperança” o surgimento de Sanders. “É um sinal de mudança, num país marcado pela caça aos comunistas (‘a caça às bruxas’), que surja um candidato que se diz socialista”, defende Mariana Mortágua.
Sanders não só se intitula socialista como “está a trazer questões para o debate” que marcam a diferença. E Mariana Mortágua integra esta candidatura numa tendência internacional de abertura à esquerda que inclui, por exemplo, o novo líder dos trabalhistas ingleses, Jeremy Corbyn.
A deputada e dirigente bloquista, porém, também está atenta à outra metade da contenda presidencial americana: “É difícil não ficarmos preocupados com a projeção mediática e eleitoral de Donald Trump. E assusta que alguém com posições tão extremistas, racistas e machistas possa daqui a algum tempo ter o poder militar e político de dirigir a maior potência mundial”.
*com Margarida Davim