Daniel de Matos: ‘Marcelo preparou-se para estas funções’

É amigo de Marcelo Rebelo de Sousa desde os tempos da juventude e do liceu. Como Presidente, diz que tem «uma grande expectativa em relação a ele».

Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu provocar algum entusiasmo na sociedade portuguesa. Partilha deste entusiasmo? 

Ele tem a capacidade de conseguir que esta gente se entenda, porque não há outra maneira. Tenho muitas expectativas. Ele vai obrigar os partidos, pelo apoio popular que vai conseguir, a terem de acelerar o passo no sentido da busca de consensos e de soluções. E a deixarem-se daquelas guerrilhas que já ninguém atura. Eu, pelo menos, já não aturo e tenho a desvantagem de os conhecer todos. Os que entraram na política nos últimos 35 anos eu conheço-os, e não estou particularmente satisfeito com a matéria-prima.

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O que falhou?

Há uma coisa que é óbvia, que é a desqualificação das pessoas que estão na política. Se eu comparar os deputados de há trinta anos com os atuais, ou os ministros de há 30 anos com os atuais, aí não tenho dúvidas de que há uma enorme diferença de qualidade. Há pessoas com capacidades que deixaram de estar na política. Porquê? É uma questão sobre a qual eu acho que todos devíamos refletir. Depois, emergiram castas que não aprecio, as castas das juventudes partidárias, que não são propriamente um berço que eu considere importante, mas é a organização que temos. Eu costumo dizer que para se ser deputado devia fazer-se prova de profissão exercida: carpinteiro, serralheiro, mas que tenha feito alguma coisa, que não seja apenas política. Só assim é que se consegue representar as pessoas. E, portanto, não voto. É tão simples como isso. 

Nas legislativas não vota em nenhum partido?

Voto em branco com grande tristeza. Acho que com o Marcelo as pessoas vão voltar a acreditar que alguma coisa é possível e um povo que acredita que alguma coisa é possível consegue dar passos em frente. 

Nas presidenciais tem tido dificuldade em votar?

Não. São as únicas em que não tenho tido dificuldade em votar. Ao contrário das legislativas, em que voto em branco há muitos anos. O que não serve nada porque o voto em branco não conta, mas acho que devia dar direito à diminuição do número de lugares na Assembleia da República. As cadeiras correspondentes ao voto em branco não deveriam ser ocupadas. 

Teve alguma preferência por algum dos Presidentes com quem trabalhou?

São muito diferentes. Tenho em relação ao Marcelo uma maior proximidade geracional e cultural. É provável que eu partilhe e compreenda melhor o entusiasmo dele. Conheço as capacidades dele. Tenho uma grande expectativa em relação a ele, porque acho que ele se preparou para estas funções com grande militância, com grande convicção, e tem todas as condições para as desempenhar bem. Tive muita boa relação com os outros Presidentes. Com Mário Soares acabou há dois anos…

Porquê? 

Por razões que se prendem com os meus conceitos de independência médica. No dia em que deixei de ser eu a comandar as coisas e passou a haver interferências na orientação da saúde de Mário Soares nós desentendemo-nos e deixei de o acompanhar. Tenho pena. Não esperava que acabasse assim, mas mantive sempre boas relações com todos.

Mário Soares chegou a consultá-lo quando se candidatou pela última vez a Belém. O que lhe disse?

Perguntou-me se eu achava que ele se podia candidatar e eu disse que sim. E, de facto, não foi por razões de saúde que as coisas correram mal. Mas achei aquilo surrealista, não fazia sentido. Eu não vi essa tentação nunca em Jorge Sampaio e não a vou certamente ver em Cavaco Silva. Só Mário Soares é que se lembraria de uma coisa dessas, porque aquilo é uma estrada que se faz e que fica feita.