A união surge, porém, a contragosto. BE e PCP não querem ficar colados a um programa que limita a entrada de funcionários públicos e assume os objetivos do Tratado Orçamental europeu na redução do défice, ainda que não fira os acordos assinados com António Costa.
O incómodo com esta posição complicada levou mesmo o PCP a evitar comentar o documento. Ontem, contactado pelo SOL, o PCP revelava não ter intenções de emitir qualquer comentário sobre o Programa de Estabilidade, a menos que os jornalistas interpelassem o secretário-geral Jerónimo de Sousa durante a agenda oficial que iria ter ao final do dia.
No BE também se evita ao máximo o assunto e nem sequer houve uma reação oficial em declarações aos jornalistas no Parlamento. Os bloquistas entendem que o Programa não põe em causa nada do que foi acordado com Costa, mas estão longe de se mostrar contentes com um documento que continua a conter uma dose substancial de austeridade. «Mesmo mais solto, o garrote continua apertado», é a expressão usada no BE para classificar o cenário macroeconímico que será agora enviado a Bruxelas.
Incomodidade à esquerda
O projeto de resolução do CDS que propõe a votação do Programa de Estabilidade na AR obriga a ‘geringonça’ a funcionar em sintonia para o chumbar na próxima quarta-feira, tornando evidente que BE, PCP e PEV preferem não ter de se pronunciar sobre o documento.
No PSD, Passos optou por não seguir esse caminho, mas os sociais-democratas vão votar ao lado dos centristas o projeto de resolução. OPSDviu-se ultrapassado em inciativa, mas o principal embaraço fica para PS, BE, PCP e PEV ao tornarem evidente que querem evitar levar a votos o documento.
Não dar pretextos a Bruxelas
Apesar do incómodo evidente com as medidas de um programa feito à medida das pretensões da Comissão Europeia, ninguém quer avançar com críticas ao primeiro-ministro. Fontes da esquerda ouvidas pelo SOL consideram que Costa está a tentar ganhar tempo, evitando confrontar Bruxelas, ao mesmo tempo que tenta arranjar força política – juntando-se a Espanha e a Itália – para começar a ganhar margem para fugir à austeridade. «Não dar pretextos para ataques da Comissão Europeia» é a palavra de ordem no Governo.
Mas tanto no PS como no BE há quem assuma em off que as metas do défice inscritas no Programa de Estabilidade são «incumpríveis». É fácil perceber porquê: o documento põe Portugal com um défice de 2,2% em 2016 e a chegar a um superavit de 0,4% em 2020.
Informalmente, António Costa referia-se ao Programa de Estabilidade como «o anexo» do Programa Nacional de Reformas, que prevê investimentos no valor de 25 mil milhões de euros. E isso ajuda também a perceber a forma como em São Bento se encara um documento que é obrigatório entregar em Bruxelas, mas que está longe de ser visto como algo escrito nas pedras.
Com estes números, Mário Centeno já se mostrou esta semana confiante de que não há motivos para temer a reação de Bruxelas e disse mesmo que parte para lá com a ideia de que as conversas serão «frutosas e construtivas» como, em seu entender, foram já na negociação do plano orçamental em janeiro.
O otimismo é partilhado na maioria de esquerda que apoia o Governo, onde ninguém espera que, pelo menos para já, a Comissão Europeia levante problemas, mesmo que a ideia seja a de que António Costa comprou algum tempo, mas que esse tempo vai esgotar-se em breve, até ao Verão.
Marcelo defende Costa
Revelado o documento, o Presidente da República veio defender António Costa com palavras que caíram mal nos parceiros da esquerda que apoiam o Governo. «Entre dois caminhos – o caminho ideológico e doutrinário de dizer ‘não aceitamos, nem sequer fazemos esforço para seguir uma determinada via’, e o caminho do compromisso, que é o caminho para a credibilidade internacional –, o Governo seguiu o caminho menos ideológico e mais pragmático. Isso é positivo», comentou Marcelo, numa declaração que foi vista à esquerda como a defesa do modelo TINA (There Is No Alternative) contra o qual se têm batido.
Ontem, Costa corrigiu o tiro. «O nosso Programa de Estabilidade mostra que é possível mais do que um caminho», sublinhou o primeiro-ministro, aproveitando para se colar ao apoio presidencial.
«O senhor Presidente tem uma visão otimista e eu acompanho-o», disse depois da reunião semanal com o Presidente da República, que desta vez aconteceu em Beja, em pleno ‘Portugal Próximo’ – o novo nome das ‘Presidências abertas’ de Rebelo de Sousa.