Bruxelas vai pressionar o Governo para reformar a Segurança Social. Os reparos deverão ser feitos na análise ao Programa de Estabilidade (PE) que a Comissão Europeia irá agora realizar – e em linha com o que tem dito a Portugal quando avaliou os anteriores programas. É um tema insistentemente referido pela Comissão e que é visto como urgente na Europa.
O aviso já tinha sido feito, de resto, a Passos Coelho. No ano passado, Portugal foi apontado como um dos países em risco de incumprimento do Pacto de Estabilidade e o caminho indicado era claro: o país tem de tomar medidas estruturais para reduzir a despesa do Estado, em particular no sistema de pensões.
Este ano, os documentos preparados por António Costa são omissos quanto ao caminho a seguir no sistema de pensões, pelo que é inevitável que haja de novo pressão.
A posição de Bruxelas sobre o PE deste ano será conhecida em meados de maio, quando forem publicadas as recomendações específicas para cada Estado-membro, ao abrigo do semestre europeu. Esta avaliação será depois validada pelo Eurogrupo e pelo Conselho Europeu, que fixarão orientações sobre as opções que o país deve tomar.
O Programa de Estabilidade apresentado por AntónioCosta não prevê qualquer medida nas pensões. Já no Programa Nacional de Reformas (PNR), há apenas breves referências a um «reforço do financiamento e da sustentabilidade da Segurança Social, através da diversificação das suas fontes de financiamento», e à reavaliação do fator de sustentabilidade «face às alterações ocorridas» nos últimos anos.
De resto, na conferência de imprensa após o Conselho de Ministros no qual foi feita a apresentação do PE e do PNR, Mário Centeno assegurou mesmo que não irá haver «qualquer alteração à lei de bases da SegurançaSocial». E, esta semana, Costa voltou a evitar dar uma resposta clara sobre o tema. Depois de a líder do CDS, Assunção Cristas, lembrar a necessidade da reforma da Segurança Social e perguntar pela disponibilidade do Governo para consensos, Costa limitou-se a dizer que os «os consensos não se fazem em abstrato», pedindo propostas concretas, mas sem abrir o jogo sobre as suas intenções para este dossiê.
‘Geringonça’ não levanta problemas
Para já, a tática de António Costa parece ser a de adiar um problema em relação ao qual nunca foi muito claro e que poderá trazer problemas à esquerda. Após ter conseguido uma espécie de apoio tácito a um Programa de Estabilidade em que a esquerda não se revê, Costa quer evitar mais turbulência política.
O tema voltará, porém, em maio, quando Bruxelas tornar a lembrar que pretende mudanças neste campo. Ontem, BE e PCP deram um sinal claro de que não querem levantar problemas ao Governo. A esquerda chumbou o projeto de resolução do CDS que rejeitava o Programa de Estabilidade, apesar de ter ficado claro que nem BE, nem PCP ou Verdes se reveem no documento, que os comunistas classificam mesmo como «mecanismo de ingerência» da Europa nas questões nacionais.
No BE e no PCP, percebe-se que o primeiro-ministro está a tentar ganhar tempo na Europa, mas há também a ideia de que essa estratégia não se pode eternizar. Os alertas que vierem de Bruxelas no relatório de maio devem dar razão a esta tese. Resta saber como irão reagir o Governo e os partidos que o apoiam, sendo certo que a atitude de Passos Coelho foi também a de adiar o tema.
Críticas antigasque se repetem
Na avaliação das propostas apresentadas na primavera de 2015, Bruxelas registou essas falhas. «As medidas que visam a melhoria do saldo a fim de permitir a realização dos objetivos em matéria de défice previstos a partir de 2016 ainda não foram suficientemente especificadas e parecem ser insuficientes», disse a Comissão há um ano.
Especificamente nas pensões, o relatório alertava para os «progressos limitados no desenvolvimento de novas medidas abrangentes como parte integrante da reforma das pensões em curso», recomendando a Portugal «melhorar a sustentabilidade a médio prazo do sistema de pensões».
Na altura, o Governo PSD/CDS indicava já que queria reverter algumas medidas impostas pela troika – embora a um ritmo mais lento do que o PS – e o radar de Bruxelas tocou o alarme. A CE apontou «um risco de desvio significativo do ajustamento necessário no sentido do objetivo de médio prazo em 2016, sendo necessárias outras medidas estruturais».
Este relatório marcou uma mudança nas perspetivas da Comissão sobre Portugal. Durante o programa de ajustamento, como os técnicos europeus acompanhavam em quase permanência as contas públicas portuguesas, a posição sobre as contas do Estado era mais benévola.
Segundo as recomendações de Bruxelas em 2014, Portugal tinha acima de tudo de continuar as reformas decididas durante o período de presença da troika. As recomendações de Bruxelas baseavam-se «nas realizações do Programa a fim de garantir a sua aplicação duradoura». Foi a partir dessa altura que o debate em torno das pensões aqueceu. Segundo a avaliação desse ano, Portugal teria de «desenvolver uma solução duradoura a fim de assegurar a sustentabilidade a médio prazo do sistema de pensões até ao final de 2014». E, com os chumbos do Tribunal
Constitucional a mudanças no campo da Segurança Social, o Governo teria de encontrar «medidas de substituição de dimensão equivalente».
Essa «solução duradoura» e com «dimensão equivalente» às medidas chumbadas pelo TC nunca se concretizou. No PEC de 2015, Maria Luís Albuquerque e Passos Coelho inscreveram um corte de 600 milhões de euros na Segurança Social, mas não pormenorizaram como seria concretizado.