“Não me venham dizer que não há dinheiro. Pois não, sabemo-lo. Mas há prioridades. E se não pudermos colocar o SNS no topo da respetiva lista será melhor deixarmos de lhe cantar hossanas”, ataca Correia de Campos, que ficou desiludido com o que viu no Orçamento para 2016.
“A nossa frustração aumenta quando, conhecendo todos a deterioração das condições remuneratórias do sector público agravadas nos últimos cinco anos, nada de positivo se anuncia para reverter esta situação. Bem pelo contrário tudo continua em plano inclinado para o desprestígio crescente do SNS. E quando vimos que no novo orçamento nada de novo surge na reforma da organização interna dos hospitais e que o pagamento das horas extraordinárias se mantém no nível degradante, em valor e cabimento, a que o governo anterior as havia votado, haverá razões de sobra para frustração. Que pode deflagrar em rancor. E certamente em perda para o SNS”, continua o socialista, que denuncia no seu artigo o que pode estar por trás do crescente investimento de privados na Saúde.
“O recente anúncio de 200 milhões de euros de novos investimentos na saúde planeado pelo mais importante grupo empresarial privado do setor vai levantar preocupações e ambiguidades, acompanhadas de muita controvérsia”, diz o socialista logo no arranque do texto, preocupado com um sistema que cada vez mais parece andar a duas velocidades.
“Um sistema a duas matrizes e a duas velocidades: o privado para ricos e remediados e o SNS para pobres ou para casos mais complexos, independentemente da bolsa de cada um. A desnatação no seu melhor”, diz Correia de Campos, numa altura em que o Governo analisa a possibilidade de alargar os beneficiários da ADSE, pondo mais gente a beneficiar do sistema que faz com que através de descontos seja possível aceder a cuidados de saúde prestados por privados.
“Claro que o setor privado tem todo o direito de, por sua conta e risco se instalar onde vislumbre mercado, desde que cumpra as regras de planeamento, de qualidade e se submeta à regulação pública”, escreve o ex-governante, que teme porém que os privados acabem por realizar uma verdadeira sangria no setor público.
“Todos sabemos, também, que o pessoal que vai selecionar no inesgotável manancial do SNS, lhe sai a custo zero de formação, é recrutado a meio de carreira, de entre líderes profissionais frustrados pela desorganização, faltas de meios e péssimo pagamento dos hospitais públicos”, avisa, explicando que muito do avanço do privado neste setor se deve à falta de uma boa gestão do SNS.
“Já não há planeamento hospitalar em Portugal e não é difícil ter qualidade vista como superior à do público, percecionada, quase nunca real”, afirma, reconhecendo “a crescente melhoria da qualidade e organização do privado” que pratica uma gestão “muito mais livre de peias, partidarismos e entraves que a do setor público”.