Achando-se muito gorda, pôs uma banda gástrica (ou seja, uma prótese que reduz o volume do estômago), e perdeu 50 quilos. Além disso, substituiu integralmente o guarda-roupa, passando a só usar grandes marcas. Nas fotografias da época aparecia com roupa banal, de matrona, agora aparece com blue jeans da moda, rotos e cosidos. E noutra imagem surge com um vestido verde relva, de saia rodada muito curta.
Três semanas depois de ganhar o Euromilhões, Amélia casou com o namorado, Abílio Ribeiro, numa cerimónia com 300 convidados à qual chegou de limousine. Mas depressa o homem mostraria as suas (más) intenções: alegando ter sido ele a meter o boletim, exigiu metade do prémio. O caso gerou um imbróglio judicial, acabando na separação do casal. Abílio não obteve o que pretendia, mesmo assim ainda levou para casa um milhão de euros – o que não foi nada mau para quem pouco tinha feito para isso.
Há dias, Amélia teve um acidente. Guiava um potente carro numa estrada secundária quando, ao ultrapassar uma camioneta, não se apercebeu da aproximação de uma carrinha em sentido contrário, atrapalhou-se, bateu de lado na camioneta e acabou contra o muro de pedra de um quintal, espatifando o carro de 200 mil euros. Um desperdício. E não era o primeiro: Amélia já tinha mandado dois outros carros para a sucata, que não se sabe se seriam iguais a este (um Maserati Quatroporte capaz de atingir 307 Km/h).
Depois do acidente, Amélia reagiu com histerismo, insultando o pobre condutor da camioneta e chamando-lhe nomes. No meio do desespero, veio de novo ao de cima a Amélia-empregada-doméstica, com uma agravante: a arrogância entretanto adquirida pelos milhões. E talvez com pior feitio, em consequência da banda gástrica e da perda de 50 Kg. Na verdade, dizem que os gordos são mais bem-dispostos que os magros.
Também pode ter sido o mau feitio a levar Amélia a escapulir-se do local do acidente (presume-se que a pé, pois o Maserati ficou imprestável) antes da chegada da GNR, deixando o pobre camionista pendurado e o seu proprietário inconsolável – pois, enquanto a Guarda não ouvir Amélia, o auto do acidente não será lavrado e a camioneta não será reparada.
O dinheiro caído do céu e o mediatismo estragam as pessoas. Um empresário digno desse nome sabe o que fazer a 50 milhões de euros – e sobretudo sabe que não pode começar a deitar dinheiro à rua. Um comum mortal, não sabe. Esbanja, é explorado pelos amigos, estraga o casamento, espatifa carros – e muitas vezes acaba mais só e mais pobre do que era antes.
Tal como os corruptos são corrompidos pelo dinheiro, as pessoas a quem calham fortunas deixam-se corromper. Perdem a autenticidade, mudam os hábitos, tornam-se arrogantes e caprichosas – e no fim não são nada. Deixaram de ser o que eram e não conseguem ser outra coisa.
Por mim, detestaria ganhar 50 milhões de euros num concurso. Nunca mais dormiria descansado. E das duas, uma: ou mudaria de vida e tornar-me–ia outra pessoa, coisa que não quero, ou continuaria a fazer a mesma vida e a ser a mesma pessoa – e nesse caso o dinheiro não teria servido para nada.
Por isso mesmo, nunca joguei no Euromilhões. Joguei uma vez na Lotaria e felizmente não me saiu nada. Nem a terminação.