Escolas privadas revoltadas com Governo

As últimas semanas têm sido de trocas de acusações e defesa de pontos de vista. De um lado o Governo e do outro os colégios privados. Em cima da mesa estão os chamados contratos de associação celebrados entre o Estado e 86 colégios privados e que permitem o financiamento de turmas em locais onde não…

O despacho que regula o regime de matrículas e frequência das escolas fez disparar o alarme de quem está à frente dos colégios privados. Em causa estão as regras relativas à área de residência dos candidatos à matrícula que, segundo dados fornecidos ao SOL pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), podem afetar mais de 17 mil alunos em início de ciclo. Isto porque o Ministério garante a continuidade de ciclos, afetando, por isso, apenas as turmas dos 5.º, 7.º e 10.º anos.

Para Rodrigo Queirós e Melo, presidente da AEEP, estamos perante medidas de política educativa. «O que torna a questão política é a vontade do Governo em levar isto adiante, mesmo quando toda a gente diz que não faz sentido», diz ao SOL.

O dirigente refere-se à Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), à Federação Nacional de Educação (FNE) e à Fenprof (Federação Nacional dos Professores), que já vieram a público mostrar a sua apreensão quanto às alterações previstas pelo Executivo – nomeadamente, deixar de financiar novas turmas em colégios privados em zonas onde exista escola pública e aplicar a regra da limitação geográfica, que dita que os alunos do básico e secundário só podem matricular-se nas escolas da sua freguesia.

‘Pressões da esquerda’

Segundo contas feitas pela AEEP, caso estas regras venham a aplicar-se, 57% dos colégios com contratos de associação vão encerrar. E, com o fecho de portas, 4.222 professores e pessoal não docente irão para o desemprego, implicando uma indemnização total na ordem dos 48 milhões de euros.

No total, a AEEP conta 17.213 alunos de turmas em início de ciclo, distribuídos por 656 turmas.

Para Rodrigo Queirós e Melo, só há uma forma de explicar esta insistência do Governo: «Há uma forte pressão da extrema esquerda no que diz respeito à Educação. Isso é visível desde o início do mandato». O presidente da AEEP lembra que «ainda mal o ministro tinha aquecido a cadeira» e já se discutiam temas como os exames, as provas de Inglês ou as de aferição, com ações motivadas pelo Parlamento e não pelo Governo.

Em resposta, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, considerou ontem no Parlamento que a redução dos contratos de associação é uma forma de «não duplicar a fatura paga pelo contribuinte». Já num e-mail enviado ao SOL, o ministério garantiu que os contratos que foram assinados no ano passado serão integralmente cumpridos até ao final dos respetivos ciclos. «Relativamente à constituição de turmas de início de ciclo, no próximo ano letivo, serão financiadas apenas em colégios que cumpram um papel de complementaridade», pode ainda ler-se.

No Parlamento, o ministro aproveitou para lembrar que estão disponíveis 222 milhões de euros para o financiamento do ensino privado, o que constitui um acréscimo de 19% por comparação a 2015.

A mudança da periodicidade da assinatura dos contratos, do modelo anual para trianual, só aconteceu em 2015, que ficou marcado também pelo corte no financiamento por turma. O Executivo passou a dar 80.500 euros por turma e por ano escolar aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, menos 523 euros do que no ano anterior. «Têm sido cortes constantes e agora perdemos a pouca estabilidade que a garantia de três anos nos dava», conclui Rodrigo.

Contratos desde os anos 80

Ao SOL, o ministério lembra que, «com o alargamento da rede escolar, as zonas em que não há oferta de estabelecimentos públicos de ensino foram diminuindo». Recorde-se que os contratos de associação foram estabelecidos com escolas particulares a partir dos anos 80 do Séc. XX, para suprir as necessidades educativas em regiões do país onde a rede pública não chega.

Quase 40 anos depois, a Companhia de Jesus – à qual pertencem o Colégio da Imaculada Conceição, em Cernache (Coimbra), e o Instituto Nun’ Álvares em S. Tirso – acredita que o ministério «está a pôr em causa o serviço universal, gratuito e de qualidade prestado pelas escolas», mas admite que «as circunstâncias atuais são diferentes». O padre José Manuel Lopes, diretor do Colégio das Caldinhas e porta-voz da ordem religiosa para este assunto aponta a baixa natalidade dos últimos anos como fator de mudança na rede escolar, mas lembra que «qualquer atualização em educação tem de partir de um consenso entre os principais interessados».

Apesar do clima de incerteza, as inscrições nos dois colégios pertencentes à Companhia de Jesus estão a ser feitas de forma normal. O que acontecerá se, de facto, não forem constituídas novas turmas vai depender da organização pedagógica e administrativa que entretanto vigorar, lembra o padre José Manuel Lopes.

Igreja Católica preocupada

Também a Arquidiocese de Braga, em comunicado, vira o foco para os pais, defendendo que devem «poder escolher o tipo de educação que julgam ser a melhor». E lembra: «Sem os contratos de associação ou outro sistema de financiamento das famílias, só as famílias abastadas podem usufruir da liberdade de ensino».

Já anteriormente a Conferência Episcopal, através do seu porta-voz, Padre Manuel Barbosa, tinha mostrado preocupação: «Há o respeito pelo Governo instituído, mas a Igreja não se pode calar quando vê algumas situações. Não é uma questão de benefício ou privilégio, é uma questão de respeito pela liberdade de todos, pela democracia e pelo bem comum».

Também a Confap acredita que o direito das famílias de «escolher o projeto educativo» para os seus filhos poderá ser posto em causa com as novas regras de matrículas. Já a FNE, lembrou a alta taxa de desemprego a que o encerramento de colégios pode levar. Por outro lado, a Fenprof veio a público dar força a quem tem dúvidas sobre a viabilidade futura destes contratos – tendo feito questão de lembrar que os contribuintes «arcarão com uma despesa acrescida» de cinco milhões de euros se o Gov-erno mantiver os contratos, o que considera «desnecessário».