Dois ex-elefantes brancos

É conhecida a tendência dos políticos de deixarem obra sob a forma de grandes investimentos, financiados com o dinheiro dos contribuintes. Obras que, depois, muitas vezes se revelam ruinosas.

Um desses ‘elefantes brancos’, na gíria corrente, foi felizmente evitado: o TGV Lisboa-Madrid, que o primeiro-ministro José Sócrates tanto defendeu. Seria uma operação deficitária nos seus custos correntes, a adicionar aos custos na infraestrutura da linha ferroviária e no material  circulante. No entanto, ouvimos nessa altura o então ministro da Economia defender o projeto com o argumento de que o TGV permitiria aos madrilenos apanhar o comboio pela manhã, sair em Lisboa e depois irem para a praia da Caparica, regressando a Madrid ao fim da tarde…

Outros alegados elefantes brancos se concretizaram. Infelizmente? Talvez não, pelo menos dois, ambos no Alentejo: Alqueva e Sines. Curiosamente, os dois empreendimentos foram pensados bem antes do 25 de Abril de 1974; por exemplo, a barragem do Alqueva estava no horizonte quando Portugal assinou com Espanha, em 1957, um convénio sobre as águas dos rios que atravessam os dois países. O polo portuário e industrial de Sines foi projetado no tempo de Marcelo Caetano. E tanto Sines como o Alqueva demoraram eternidades a serem construídos e sobretudo a mostrarem resultados capazes de justificarem o muito dinheiro ali gasto.

A barragem do Alqueva, inaugurada em 2004, foi e ainda é criticada. Em 2009 alguns ambientalistas falavam no «desastre em que resultou a construção da barragem do Alqueva»; e alguns duvidavam até que fosse possível encher de água o maior lago artificial da Europa.

Ora a barragem encheu mesmo e as obras de regadio já realizadas permitiram uma viragem que está em curso na agricultura de boa parte do Alentejo. Os cereais, nomeadamente o trigo, estão a ser substituídos por outras culturas com maior capacidade competitiva, já com expressão significativa nas exportações: olival, amendoeiras, vinha, frutos, legumes, etc.

É certo que algumas expectativas foram frustradas pela crise. Aconteceu com o turismo, sector onde alguns grandes projetos, envolvendo importantes investimentos imobiliários, não se concretizaram. O que, por tabela, levou a que nenhuma companhia aérea de voos regulares se mostrasse interessada em utilizar o aeroporto de Beja.

Mas este aeroporto aproveitou uma infraestrutura disponível – a da base da força aérea alemã, que ali treinou pilotos durante anos. O aeroporto poderá ser aproveitado para operações industriais. E é possível que alguns empreendimentos turísticos ligados ao Alqueva acabem por ir para a frente nos próximos anos. De qualquer modo, os benefícios desta barragem no plano agrícola são já evidentes.

Sines também passou por algumas vicissitudes nas décadas iniciais. Desde problemas na construção do porto até excesso de optimismo quanto a certas indústrias petroquímicas (não a refinaria), foram vários os contratempos. Mas hoje pelo porto de águas profundas de Sines já passa mais de metade do tráfego portuário em Portugal, sobretudo de contentores. E o alargamento do canal do Panamá poderá dar um grande impulso a Sines, desde que seja finalmente construída uma adequada ligação ferroviária a Espanha.

Há elefantes brancos que, décadas depois de inaugurados, deixaram de o ser.