A polémica em torno da aplicação de dinheiros públicos em paraísos fiscais não é de hoje. Em 2008, sob intensa discussão pública, o Ministério das Finanças admitiu que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) tinha tido aplicações no valor de 42 milhões de euros em dois fundos imobiliários sediados em offshores, em 2006.
Os investimentos mereceram censura rápida do Tribunal de Contas. No Parecer sobre a Conta Geral do Estado desse ano, o organismo de supervisão emitiu uma recomendação que o Governo teria de seguir nos exercícios orçamentais anuais: “Definir e publicitar orientações sobre a detenção direta ou indireta, por parte de entidades públicas, de produtos financeiros emitidos por entidades sedeadas em offshores”.
Para ultrapassar a polémica, as duas aplicações da Segurança Social foram vendidas à Caixa Geral de Depósitos e foi publicado um despacho em 2008 que obrigou os organismos públicos a revelar, nos relatórios anuais, que investimentos em offshores tinham sido feitos. Mas O TdC voltou à carga e, no parecer sobre a conta Geral do Estado de 2010, considera esse passo insuficiente, considerando que a recomendação anterior sobre as offshores “não foi acolhida”. Apesar do esforço de transparência, o Governo do PS continuava sem determinar uma orientação sobre a detenção destas aplicações e sem definir “em que moldes estes investimentos podem ser detidos”. Ou seja, a justificar por que motivo estavam a ser utilizadas tais jurisdições.
Ontem, depois de o Ministério das Finanças ter revelado que também o Governo PSD-CDS ignorou as recomendações do TdC, ao ter permitido que IGCP e a Segurança Social tivessem aplicações em paraísos fiscais, o ministro da Segurança Social, Vieira da Silva, considerou não ter existido “incúria ou falta de atenção” por parte dos responsáveis dos fundos da Segurança Social.
“Eu não considero, com os dados tenho, que tenha havido incúria ou falta de atenção por parte dos responsáveis do fundo, que como disse, pelo menos, desde 2008 têm um código muito rigoroso de utilização dos recursos que são da Segurança Social”, disse Vieira da Silva, à margem do Congresso anual das Empresas Familiares, em Lisboa.
Contudo, como mostra o parecer da Conta Geral do Estado de 2010, o TdC considera que o diploma de 2008 é um passo insuficiente em termos de transparência da utilização de verbas públicas em offshores.
Os investimentos de 2015
Segundo os esclarecimentos feitos ontem pelas Finanças, a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) tinha uma posição de 133 milhões de euros “respeitante a uma obrigação emitida pela Polo III – CP Finance Limited, sediada em Jersey, com vencimento em julho de 2015 e cujo pagamento foi entretanto concretizado pela Comboios de Portugal, E.P.E. (CP)”.
Além disso, havia uma posição de 171 mil euros detida pelo FEFSS relativa a um investimento em ações da Hikma Pharmaceuticals Plc., com sede na Jordânia, emitidas e reguladas pela London Stock Exchange.
Segundo o comunicado, a posição detida pelo IGCP “resultou de uma operação no âmbito da utilização de disponibilidades da tesouraria para compra de títulos de dívida da República Portuguesa ou de empresas públicas reclassificadas, como é o caso da CP. Esta posição foi encerrada em julho de 2015”.
No que respeita à posição detida pelo FEFSS, o Banco de Portugal informou as Finanças de que o valor correspondente à posição foi incorretamente reportado, tendo sido indicado o valor de 17 milhões, ao invés do valor correto de 171 mil euros.
“O Banco de Portugal comprometeu-se a assegurar a correcção deste registo referente à posição em 30 de Junho de 2015 junto do Fundo Monetário Internacional no âmbito do CPIS”, diz ainda o comunicado.
O ministério garante que está a estudar os mecanismos para assegurar que “não existam entidades públicas com aplicações em territórios qualificados como paraísos fiscais sem autorização do governo responsável pela área das finanças”.