Alguns lisboetas mais atentos na zona do Rato já terão reparado numa figura imponente de barba que por ali passeia com regularidade. Éric Cantona, o futebolista francês que incendiava os estádios ingleses nos anos 90, escolheu Portugal para algo mais tranquilo do que desporto. Vive com a família em Lisboa e passeia no centro com regularidade.
“Aqui sinto-me vivo”, confidenciou a um repórter do Guardian que o apanhou num hotel para uma rara entrevista, acompanhada por um copo de vinho tinto. Depois de deixar o futebol, Cantona dedicou-se a outras atividades . Tornou-se realizador de cinema documental, artista e ator. Tem agora a estreia de um filme croata, Anka, e não está sozinho em Portugal.
Só em 2014, segundo dados da Câmara de Comércio-Luso Francesa, mais de sete mil franceses escolheram Portugal para morar. Segundo os dados dos Censos de 2011, havia nesse ano 14 mil franceses a residir em Portugal.
A nova vaga de imigrantes é constituída sobretudo por profissionais altamente qualificados, reformados ou do ramo artístico, já que estes grupos beneficiam de um regime fiscal mais favorável. Se pedirem a adesão ao regime de residente não habitual, pagam apenas 20% de IRS. Esta vantagem fiscal para estrangeiros existe desde 2009, mas o frenesim aumentou nos últimos anos. “Em França só se fala de Lisboa. Está moda”, diz ao SOL Jérôme, enquanto descontrai num bar lisboeta com a mulher, Nathalie. Este casal francês está apenas de passagem pela capital, em férias, depois de ter estado num ultramoderno hotel em Xangai. Em Portugal, estão alojados num pequeno hotel de charme no centro de Lisboa e estão encantados. “Os quartos até têm chave [em vez de cartões]”, brinca Nathalie.
O ‘passa-palavra’
São as viagens dos turistas que depois fazem com que aumente o interesse em ficar de forma mais definitiva em Portugal. Gera-se um buzz em torno da capital. “A maior parte dos turistas repetem e mais de 90% dizem que a sua vinda a Portugal superou as expectativas. Neste momento, o feedback é bastante positivo e são estes que nos visitam que são os principais promotores de Portugal no estrangeiro, são eles que passam a palavra para outros nos virem visitar. Por exemplo, o mercado francês está a registar um grande crescimento e há muitos que estão à procura de uma segunda casa para viver, resultado do passa-palavra”, explica a secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho.
Claro que os impostos mais baixos ajudam a captar os segmentos mais ricos. Segundo dados das Finanças, já houve oito mil pedidos de adesão ao regime de residente não habitual desde a criação, em 2009, e nos últimos anos cerca de metade dos pedidos têm sido de franceses, que aproveitaram da simplificação do processo.
Para que sejam considerados residentes não habituais basta que no ano a que respeitam os rendimentos tenham permanecido em Portugal mais de 183 dias. Não podem ainda ter sido tributados em sede de IRS nos cinco anos anteriores. No início, o processo era difícil e moroso, e perante as queixas foi agilizado em 2012. Deixou de haver obrigatoriedade de apresentar comprovativo da anterior residência e da tributação no estrangeiro. Agora, basta declarar que nos cinco anos anteriores foram preenchidas as condições que a lei exige para que alguém se torne residente no país.
“A procura pelo regime de residentes não habituais tem vindo a aumentar exponencialmente, nomeadamente nos últimos dois anos”, adianta fonte do escritório de advogados Rogério Fernandes Ferreira & Associados. Esta firma tem vindo a apostar cada vez mais nesta área e a “desenvolver inúmeros projectos relacionados com clientes estrangeiros, incluindo residentes não habituais”. Metade da atividade da equipa de tax internacional já está relacionada com clientes estrangeiros, residentes não habituais e com investidores estrangeiros. Em julho, o escritório passará a ter três equipas focadas apenas nesta área de negócio.
“Não temos ainda dados concretos sobre qual o montante da efectiva receita fiscal arrecadada com o regime dos residentes não habituais, mas poder-se-á dizer que este regime contribui efectivamente para um aumento”, acrescenta.
Instabilidade árabe ajuda
Mas a nova vaga de invasões francesas não se explica apenas pela questão fiscal. Como alguns dos tradicionais destinos de férias e de residência secundária dos franceses são países árabes a braços com focos de instabilidade – Turquia ou Tunísia, por exemplo -, a procura por alternativas aumentou.
Há outras nacionalidades a pedir a adesão ao regime de residente não habitual, mas os franceses têm-se destacado. Para quem tem muito dinheiro e, apesar disso, não quer gastar fortunas por uma casa no Mónaco ou em Monte Carlo, Portugal tornou-se é um destino atrativo. O Sol, a praia, preços bastante mais baixos quando comparados com o patamar de França são fatores de atração. E há também disponibilidade para fazer negócios. A RFF indica que os clientes ao abrigo deste regime mostram “grande potencial de investimento em Portugal e países de língua portuguesa” e têm interesse em desenvolver projectos e actividades de elevado valor acrescentado. O escritório também tem como clientes emigrantes portugueses, que pretendem regressar para Portugal. “Por terem sido considerados não residentes em Portugal nos últimos cinco anos, podem beneficiar do estatuto de residentes não habituais, regressando ao seu país de origem”, explica o escritório de advogados. Além dos franceses, os clientes de nacionalidade espanhola e brasileira também têm vindo a aumentar, acrescenta.
* com Sónia Peres Pinto