Os colégios com contratos de associação vão aceitar as matrículas de todos os alunos que entendem que têm lugar nas instituições – de acordo com os contratos trianuais assinados em 2015 – e não vão exigir o pagamento de mensalidades às famílias. A expectativa é que a Justiça venha a dar razão às escolas, disse ao SOL Rodrigo Queiroz Melo, da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo.
Mesmo depois de a tutela já ter garantido que este dossiê está encerrado, os colégios insistem que a razão está do lado dos privados e pretendem levar a luta até ao fim. O facto de esta semana terem fechado os prazos de candidaturas de turmas para o próximo ano, defende Queiroz e Melo, está longe, por isso, de ser um ponto final: «O facto de terem aberto um concurso extraordinário para abertura de turmas em início de ciclo só mostra que o concurso trianual que estava na lei tem a nossa interpretação e previa inícios de ciclo ao longo de três anos. Senão, havia sempre concursos de caráter excecional».
Menos 377 turmas
Esta semana, terminou o prazo para a submissão de candidaturas à abertura das 273 turmas fixadas pelo ministério – um corte de 377 turmas face ao que se verificou no ano passado, numa decisão do Governo que gerou um tumulto na Educação. Os 40 colégios que o ministério reconhece estarem em áreas onde há carência de oferta pública de ensino apresentaram as suas candidaturas, revelou a tutela na quinta-feira, sublinhando que estes contratos visam a continuidade dos ciclos ao longo de três anos letivos, ou seja, garantem que alunos que vão entrar para o 5.º, 7º e 10.º anos nesses colégios poderão aí terminar o ciclo de ensino.
O ministério salientou que este deve ser o procedimento anual: identificação das freguesias de carência, bem como o número de turmas a preencher. O valor do financiamento anual por turma permanece nos 80.500 euros, o que se traduz na atribuição de um total de cerca de 22 milhões de euros para a abertura de turmas de início de ciclo no próximo ano letivo.
Mais providências cautelares
Queiroz e Melo revelou ao SOL que este expediente administrativo agora concluído – que não permitiu formalmente aos outros 39 colégios que tinham contratos de associação trianuais apresentarem candidaturas (e que até aqui só tinham essa indicação porque o ministério divulgou os colégios que pretendia manter) – acabou por fornecer às escolas o elemento que faltava para poderem avançar para tribunal e apresentarem providências cautelares.
Estas ações irão invocar a violação dos contratos assinados no governo anterior. Um primeiro conjunto de providências cautelares questionou a limitação da frequência dos colégios a alunos da respetiva zona geográfica. Se em relação a este último aspeto – que o setor considera uma discriminação dada a liberdade de escolha na rede pública – deram entrada na justiça 23 providências cautelares (ainda nenhuma decidida), Queiroz e Melo adianta que as escolas excluídas do concurso extraordinário irão agora apresentar novas ações individuais e, entretanto, aceitarão os alunos sem cobrar mensalidades. «É um risco para os colégios e dos trabalhadores, mas estamos cada vez mais convictos da nossa razão», afirma.
As providências cautelares visam suspender de imediato a decisão do Governo e Queiroz e Melo adianta que as ações principais em tribunal também seguirão o seu curso. «Em última instância, se não houver uma decisão judicial até setembro de 2017, início do próximo ano letivo, os colégios abrem falência», disse o responsável, não adiantando se nessa altura será exigido algum pagamento às famílias.
Esse cenário, contudo, é afastado por Queiroz e Melo, que invoca em defesa das escolas o Tribunal de Contas e, em parte, o parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR)
O Tribunal de Contas fez uma interpretação dos contratos que lhe foram dados a conhecer pela tutela no ano passado idêntica à que é defendida pelos colégios (visavam abertura de turmas de início de ciclo ao longo de três anos e a continuidade dos alunos seria garantida com concursos anuais). Já a PGR defendeu o ponto de vista do Governo, mas reconheceu que, para as contas estarem corretas têm de abrir novas turmas de início de ciclo no 5.º ano, uma vez que são contratos trianuais e o 1.º Ciclo só tem dois anos (5.º e 6.º).
Há ainda uma resolução do Conselho de Ministros de junho do ano passado que os colégios pretendem apresentar como prova da má-fé do Executivo neste processo. Esse diploma previa, tendo em conta os contratos trianuais, a abertura de 1.740 turmas por ano letivo até 2020, prazo que só seria possível estabelecer então se já estivesse prevista a abertura de novas turmas em início de ciclo nos três anos letivos seguintes. Esse diploma previa um encargo de 537 milhões de euros com contratos de associação, entre 2015 e 2020.
10 mil alunos no limbo e uma manifestação hoje
Os colégios defendem, assim, que podem admitir mais 10 mil alunos do que as vagas abertas pela tutela e é dentro desse limite que vão aceitar inscrições.
O dia de hoje será marcado pela manifestação em defesa da escola pública, organizada pela Fenprof como resposta aos protestos que tem havido em defesa dos contratos de associação. «Aquilo que começou por ser uma discussão sobre os colégios com contratos de associação acabou num claro ataque ao ensino público e isso não podemos admitir», explicou Mário Nogueira ao SOL.
O dirigente da Federação Nacional dos Professores espera uma forte adesão ao protesto agendado para hoje, às 14h30, no Marquês de Pombal, com desfile até ao Rossio. Fazendo as contas aos três comboios que vêm do norte e aos 150 autocarros já confirmados, Mário Nogueira não tem dúvidas que serão «milhares» aqueles que se vão juntar ao protesto, que acontece, para o dirigente, «num momento especial». «Temos uma das gerações mais bem qualificadas da nossa história e essas pessoas foram formadas onde? Na escola pública», refere. Aos que contra-argumentam com os custos mais elevados que o ensino público acarreta, o dirigente sindical responde: «87% dos alunos com necessidades especiais estão na escola pública e é óbvio que isso exige outro tipo de resposta».
Para a Associação de Professores das Escolas Particulares e Cooperativas com Contrato de Associação (APEPCCA), a atitude da Fenprof é sinónimo de «cumplicidade com o Governo». Mário Nogueira afasta essa hipótese com ironia: «Durante anos, fomos acusados de estar sempre do contra. Agora que não estamos, somos acusados de ser cúmplices do Governo».