Enquadrar a globalização

Uma América isolacionistanão contribuirá para enquadrar politicamente a globalização

Há meio século ninguém falava em globalização. Mas na década de 90 do séc. XX não se falava de outra coisa. E hoje, a globalização recua?

Se estiver a recuar, não seria a primeira vez. No mundo capitalista de há cem anos – até à I Guerra Mundial – pessoas e capitais circulavam através de fronteiras nacionais sem problemas. Mas o conflito militar e, depois, a grande depressão económica dos anos 30 ergueram barreiras protecionistas, sobretudo aduaneiras. 

Terminada a II Guerra Mundial procurou-se evitar o protecionismo anterior, com o qual todos tinham afinal perdido. Mais tarde, o colapso do comunismo acabou com o isolamento económico de muitos países – o caso extremo era a Albânia. A China entrou para a Organização Mundial de Comércio. E as tecnologias da informação vieram dar um enorme impulso à globalização, sobretudo no sector financeiro.

Recentemente, porém, surgiram sinais de que a globalização poderia estar a andar para trás. O Brexit provocado sobretudo pelo receio da imigração é um sinal grave. As últimas negociações comerciais a nível mundial que foram concluídas com êxito terminaram em 1994 (Uruguai Round). A ‘ronda’ seguinte, Doha Round, lançada em 2001, nunca chegou a bom porto. Passaram a fazer-se apenas negociações regionais, como a NAFTA (EUA, México e Canadá). E é duvidoso que se concluam a Parceria Trans-Pacífico (um acordo de comércio e investimento entre os EUA e vários países do Pacífico) e a Parceria Atlântica (EUA/UE), que tem muitos opositores nos dois lados do Atlântico. 

À esquerda e à direita predominam os instintos protecionistas na América. Na UE, um espaço teoricamente de livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, o espaço Schengen corre sério risco de não sobreviver, com o enorme afluxo de refugiados. E a própria integração europeia está ameaçada.

Nos países ricos muita gente atribui à globalização a estagnação dos seus salários, devido à concorrência dos salários baixos dos países pobres. E culpam a deslocalização de empresas para países de mão-de-barata pelo desemprego. Há alguma parte de verdade nestas críticas, mas o descabelado proteccionismo de demagogos como Donald Trump é inaceitável.

Em França a hostilidade à globalização e ao próprio comércio internacional está na raiz da dificuldade em concretizar reformas. A França, assim, vai decaindo. Já a Grã-Bretanha se mostra muito mais aberta à internacionalização da sua economia – por exemplo, não é ali preocupação o facto de, hoje, as fábricas de automóveis que operam em solo britânico pertencerem todas a estrangeiros.

A crise financeira global desencadeada nos EUA em 2007 travou o fluxo internacional de capitais bancários, que é agora um sexto do que era antes da crise. Mas o investimento directo estrangeiro recuperou, bem como as operações bolsistas transnacionais. Também o turismo internacional tem aumentado nos últimos anos.

A globalização tirou centenas de milhões de pobres da miséria, na China e na Índia, mas causa problemas de transição em muitas partes do mundo. Porque falta à globalização um enquadramento político global.

Importava que os EUA liderassem uma nova ordem económica e política internacional, à semelhança do que fizeram após a II Guerra Mundial, de modo a enquadrar os mercados globais. Tal não acontecerá com uma América isolacionista, tendência que periodicamente reaparece naquele país.