A 11 de abril de 1937, um pequeno avião, propriedade de um dos jornais de maior circulação em França, aterrava em Valência. Cinco dias depois, o piloto desse avião chegava a Madrid. Fora contratado a peso de ouro para cobrir a Guerra Civil que desde 1936 opunha os republicanos aos nacionalistas de Franco.
A chegada do aviador à capital espanhola ficou registada num documento que esteve perdido durante décadas e foi agora encontrado num arquivo de Salamanca. No retângulo de cartão amarelado, na rubrica ‘nome’, lê-se: ‘Antoine de Saint-Exupéry’; na morada: ‘Florida Madrid’; no trabalho: ‘escribano’ (um lapso de quem fez o registo, que apontou ‘escrivão’) e ‘aviador’.
Saint-Exupéry, que viria a escrever – e ilustrar – “O Principezinho”, não era o único escritor no Florida. Do quarto 109, por exemplo, era habitual ouvir-se sair o som da máquina de escrever de Ernest Hemingway, que fora para Espanha para resolver um impasse criativo. E por ali passaram outros nomes tão importantes como John dos Passos, Robert Capa e Martha Gellhorn. Guiada pelos seus colegas mais experientes, a futura mulher de Hemingway dava então os primeiros passos de uma brilhante carreira como repórter de guerra.
Inaugurado em 1924, o Florida era um hotel de 200 quartos situado na Plaza Callao, junto à Gran Via (na década de 60 foi comprado pela cadeia Preciados e demolido, estando hoje no seu lugar um centro comercial). Ocupava um edifício moderno e elegante de mármore branco e todos os quartos tinham casa de banho e água quente, um luxo pouco habitual para a época. Além disso, ficava perto da Telefónica, o que o tornava muito conveniente, pois dali os repórteres podiam enviar os seus textos para as redações de jornais em todo o mundo. “Era o lugar para se estar”, escreveu o jornalista Herbert Lionel Matthews, do “New York Times”. “Tinha-se convertido no centro do universo”. O que equivalia a dizer que estava no epicentro do conflito.
“As bombas atingiam o alvo e o som transformava-se numa trovoada de granito. Não havia nada a fazer nem para onde ir: limitávamo-nos a ficar à espera. No entanto era muito pouco agradável esperar sozinha num quarto que se tornava cada vez mais sujo, à medida que o pó proveniente da rua se entranhava”, escreveu Martha Gellhorn em julho de 1937. Nessa mesma reportagem, confessava: “Parecia um pouco estranho viver num hotel […], com um vestíbulo de entrada, cadeiras de vime no salão e indicações na porta dos quartos a anunciar que a nossa roupa em breve seria passada a ferro e que nas refeições servidas no quarto seria cobrada uma taxa de dez por cento. Entretanto, o hotel parecia uma trincheira quando disparavam uma carga de artilharia. Todo o edifício tremia ao sabor das explosões das bombas”. Por vezes, no entanto, o edifício não se limitava a tremer: era mesmo atingido e um quarto ou uma casa de banho ficavam destruídos.
Gellhorn chegara a Madrid a 27 de março, apenas duas semanas antes de Saint-Exupéry. “A cidade era fria, grande, e estava mergulhada na escuridão”, escreveu. A jovem repórter fazia parte do grupo de correspondentes estrangeiros que à noite, incapazes de dormir por causa do barulho das explosões, se reunia no pátio do hotel à luz das velas, a partilhar histórias e bebidas (diz-se que Hemingway tinha uma generosa provisão de garrafas de whisky guardada no seu quarto). Pontualmente, os jornalistas iam visitar hospitais onde estavam os feridos ou mesmo à frente de batalha.
Foi no Florida, entre explosões, tiros de metralhadora, copos e escombros, que Hemingway e Martha Gellhorn iniciaram a sua relação amorosa. Tinham-se conhecido em 1936, no Sloppy Joe’s Bar… na Flórida (EUA). Em 1938, o autor norte-americano publicaria a única peça de teatro que escreveu em toda a vida, “A Quinta Coluna”, cujo protagonista, um alter ego de Hemingway, se apaixonava por Dorothy Bridges, uma americana rica e mimada que tinha “as pernas mais longas, mais macias e mais direitas do mundo”. Oaffair culminaria com o casamento em novembro de 1939, mas o divórcio chegaria ao fim de seis anos atribulados. Dizem as más-línguas que Hemingway nunca lhe perdoou que Martha tivesse mais amantes do que ele.