Segue hoje do parlamento uma pergunta do PSD dirigida ao governo sobre o caso das viagens ao Euro 2016 pagas pela Galp ao secretário de Estado das Finanças, Rocha Andrade. Os sociais-democratas querem saber “se houve algum recebimento indevido de alguma vantagem por parte de membros do governo”. E a expressão chave aqui é mesmo “recebimento indevido”. Porquê? Porque essa é uma expressão que consta da lei dos Crimes de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos. Nessa legislação, há um artigo que descreve o que são “recebimentos indevidos” e estabelece penas de prisão de um a cinco anos para os políticos que recebam “vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida”.
A lei tem, contudo, suscitado dúvidas sobre como deve ser entendida, já que não especifica que tipo de ofertas ou a partir de que valor pode um presente dado a um político constituir um “recebimento indevido”.
Vinhos e porcelanas Essa dúvida levou mesmo o então presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, a pedir em 2010 um parecer ao Conselho de Prevenção de Corrupção (CPC) para determinar se ofertas como vinhos e enchidos, medalhas e porcelanas que habitualmente são feitas aos políticos constituiriam ou não um ilícito. Na altura, o presidente do CPC, Guilherme D’Oliveira Martins esclareceu que os titulares de cargos políticos podem receber “ofertas institucionais” desde que baseadas em “mera relação de cortesia” e comunicadas aos superiores ou ao órgão competente.
O esclarecimento continua, porém, a deixar vários aspetos em dúvida, não sendo óbvio de as viagens pagas a um governante para ver jogos do Euro 2016 podem ser entendidas como “recebimento indevido”.
Talvez por isso, apesar da formulação da pergunta, o PSD recusa para já tirar conclusões sobre o que pode estar em causa no caso avançado ontem pela “Sábado”, que revelou que Rocha Andrade foi ver o Portugal/Hungria da fase de grupos e a final do Europeu entre Portugal e França com as despesas pagas pela Galp, apesar de esta empresa manter um contencioso com o Fisco no valor de 100 milhões de euros por se recusar a pagar a contribuição extraordinária sobre os ativos energéticos que foi criada pelo anterior governo.
“Este não é o tempo de tirar conclusões, é o tempo de fazer perguntas”, justifica ao i o deputado do PSD António Leitão Amaro, sublinhando ser fundamental “saber se é verdade que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais recebeu ofertas de viagens e de deslocação de uma grande empresa que tem pelo menos um litígio fiscal pendente de muitos milhões de euros com o Estado, em particular com um serviço que depende da tutela do próprio secretário de Estado”.
Rocha Andrade vai pagar Para os sociais-democratas é este contencioso mantido com a Galp que torna o caso mais grave. Mas no Ministério das Finanças desvaloriza-se esse aspeto. “Não consideramos, no geral, que exista qualquer conflito de interesse”, assegurava ontem à tarde fonte oficial do gabinete de Mário Centeno, explicando que o caso que opõe Finanças e Galp está a ser dirimido pelos tribunais e não pelo Ministério.
A mesma fonte desvalorizava a existência de um litígio entre a Galp e o Fisco, defendendo que a “multiplicidade de processos de natureza judicial” que existe entre a empresa patrocinadora do Euro e o Estado é “algo relativamente normal na relação entre um contribuinte com esta dimensão e a Autoridade Tributária”.
Apesar disso e menos de uma hora depois destes esclarecimentos prestados pelo gabinete de Mário Centeno, as Finanças anunciaram, porém, que Rocha Andrade tinha resolvido pagar do seu bolso as despesas relativas às suas deslocações para ver os jogos da seleção portuguesa de futebol.
“Para que não restem dúvidas sobre a independência do governo e do secretário de Estado das Finanças, o secretário de Estado contactou a Galp no sentido de reembolsar a empresa da despesa efetuada”, informou fonte oficial das Finanças, já depois de Rocha Andrade ter dito à “Sábado” que considerava ser normal receber este tipo de convite de uma empresa patrocinadora do evento, defendendo ter visto com “naturalidade” o facto de a Galp ter pago as despesas.