Quem anda pelos festivais de verão e pelos estádios de futebol em Portugal já não se surpreende com a quantidade de políticos a entrar nos espaços vip das marcas que patrocinam os eventos ou têm camarotes para convidados. Poder-se-á argumentar que algumas dezenas de euros para o bilhete destes espetáculos e alguns encargos extra em croquetes e gins tónicos não são propriamente uma fortuna, mas a dúvida ética coloca-se: um político devia aceitar convites de empresas privadas sobre as quais tem poder regulatório, por mais simbólicas que sejam essas ofertas?
“Não sejamos hipócritas. Todos sabemos que convites como o da Galp ao secretário de Estado são absolutamente normais e comuns. Muito provavelmente, seriam muito poucos os políticos que sobreviveriam a este tipo de escrutínio. Mas, mais uma vez, não sejamos hipócritas. Todos sabemos que é esse um dos principais problemas do país: a forma como as grandes empresas se relacionam com o Estado e com os seus representantes”, considera o economista Luís Aguiar-Conraria, que comentou a polémica da Galp no Facebook.
São vários os casos observados por jornalistas do i nos últimos meses. Assunção Cristas, a líder do CDS, foi vista num jogo de futebol num camarote de uma marca de cervejas. O secretário de Estado Pedro Nuno Santos estava no camarote vip de um patrocinador do Rock in Rio. É costume as empresas emitirem múltiplos convites. Os políticos dividem o espaço com atores, músicos, figuras da televisão e também jornalistas – uma classe profissional onde, em abono da verdade, a questão ética de frequentar estes espaços também se coloca.
Durão e o iate grego As relações de proximidade entre poder político dão-se há décadas e, como são encaradas com normalidade, são raros os casos em que a polémica estalou a sério. Há uma década, Durão Barroso foi uma célebre exceção, quando estava prestes a tornar-se presidente da Comissão Europeia.
O “Die Welt” noticiou em 2005 que o ex-primeiro-ministro português tinha passado férias no barco privado de um milionário grego. O jornal alemão referia que Durão Barroso e a mulher tinham estado entre 22 e 28 de agosto de 2004 com a família de Spiro Latsis – segundo o site da Forbes, o banqueiro e armador tem atualmente uma fortuna avaliada 1.94 mil milhões de dólares (cerca de 1.74 mil milhões de euros).
As férias, oferecidas pelo grego, teriam custado cerca de 20 mil euros. Na altura, o português garantiu que não houve qualquer conflito de interesses relativamente aos dias que passou com o amigo, que conheceu quando estudou em Genebra 25 anos antes.
Esta questão chegou mesmo a ser alvo de uma moção de censura apresentada ao Parlamento Europeu, por parte do eurocético britânico Nigel Farage – o polémico eurodeputado que esteve agora na origem do Brexit. O britânico indicava que, um mês depois das férias de Durão Barroso com o milionário grego, a Comissão Europeia tinha autorizado a concessão de subsídios públicos, no valor de dez milhões de euros, à empresa de Latsis. Durão Barroso explicou que a decisão havia sido tomada pela comissão anterior e não pela sua, e o Parlamento Europeu rejeitou a moção de censura.
Morais Sarmento polémico Outro caso de uma viagem polémica surgiu com um ministro de Durão que transitou depois para o executivo de Santana Lopes. Morais Sarmento protagonizou uma visita a São Tomé muito citada nas manchetes da altura. Curiosamente, envolvia também a Galp.
O caso estalou quando o “Correio da Manhã” noticiou que o ministro da Presidência tinha praticado mergulho e passeios em São Tomé e Príncipe, num dia de uma visita oficial em que a agenda pública sobre os encontros do ministro estava livre de compromissos. Especulou-se que o ministro teria passado “férias” à conta do erário público, numa viagem em que se optou pelo aluguer de um avião particular, devido à indisponibilidade do Falcon da Força Aérea.
O ministro quase bateu com a porta, depois de ter sentido pouco apoio do primeiro-ministro Santana Lopes durante a polémica, e justificou que no dia dos banhos houve encontros à margem da agenda oficial para debater o interesse da Galp em explorar as reservas petrolíferas do país.
O caso passou, mas aí se revelou a proximidade da política com o poder empresarial: na comitiva do ministro ia Guido Albuquerque, administrador da Galp com o pelouro internacional na empresa. Era também primo direito de Morais Sarmento.