Ana Avoila, coordenadora da Federação dos Sindicatos da Função Pública (FNSFP), não tem dúvidas: «Não há qualquer governo, à esquerda, ao centro ou à direita que iniba os trabalhadores de reivindicarem o que consideram justo e lutar pelos seus direitos».
Carlos Brito, um antigo dirigente histórico do PCP e que acabou por sair em rutura com o partido, disse também ao SOL acreditar que os «sindicatos não têm de abdicar de fazer valer os interesses e a defesa dos trabalhadores em matéria de reivindicações, de lançar novas iniciativas, mas claro que as organizações sindicais não podem ser indiferentes ao governo que está no poder».
O líder da CGTP, Arménio Carlos, considerou publicamente que a maioria de esquerda existente no Parlamento foi «um salto em frente» e a admitiu, da parte da Intersindical, uma atitude «reivindicativa, não para destruir mas para construir».
O antigo líder da CGTP Manuel Carvalho da Silva admitiu que a existência de um governo do PS, com apoio à esquerda do BE e do PCP, pode trazer riscos em matéria de mobilização reivindicativa, mas lembrou que o movimento sindical tem estado «numa posição de equilíbrio bastante interessante, sem abdicar de colocar as posições».
Voltando a Ana Avoila, a sindicalista que tem sido a cara de «quase todas as lutas» da Função Pública em Portugal nos últimos anos, sustentou que «sindicatos e partidos têm espaços diferentes».
«A luta e o trabalho sindical são uma coisa muito diferente do voto de cada um nas eleições. Não se podem misturar as coisas. Os sindicatos têm sócios, que são os seus trabalhadores, e estes lutam sempre que entendam que se justifica em defesa dos seus direitos», afirmou.
Para a coordenadora da FNSFP, «há sempre reivindicações para fazer no campo laboral» e, por isso, «estar este governo, mesmo apoiado pelos partidos de esquerda, não inibe o que os sindicatos têm para fazer».
O antigo dirigente comunista recordou que «uma das grandes conquistas do 25 de Abril passou por fazer valer os direitos dos trabalhadores e o papel independente dos sindicatos nessa defesa».
Acredita, assim, que os sindicatos continuarão a fazer o seu trabalho, mas não podem deixar de olhar para o governo que está em funções, com apoio da esquerda, cujo trabalho disse apreciar de «forma muito positiva».
E deixou um alerta: «Mas claro que as organizações sindicais não podem ser indiferentes ao governo que está no poder, quando este defende a Constituição, os direitos dos trabalhadores, a justiça social, a segurança social pública, o serviço nacional de saúde, o direito à habitação e outros». Ou seja, é preciso encontrar um equilíbrio que não prejudique o que está a ser conquistado.
Não querer tudode um dia para o outro
«Acredito que tudo deve girar à volta de uma relação dialética entre a justa ação reivindicativa e a conservação da estabilidade governativa, no passado, no presente e no futuro. Os sindicatos não podem abdicar do seu papel, mas não podem querer transformar tudo de um dia para o outro. Também têm de perceber as dificuldades que o país está a viver», concluiu Carlos Brito.
A anteceder o período de férias de verão, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebeu partidos e parceiros sociais para um balanço do ano político e identificar cenários para o futuro. Entre os interlocutores chamados a Belém estava a CGTP. No final, Arménio Carlos indicou alguns dos temas abordados com o Presidente Marcelo, entre outros, «a questão dos salários, a situação nos serviços da administração pública e uma melhor distribuição da riqueza».
O líder da CGTP utilizou até uma metáfora que sintetiza na perfeição o forma como a central sindical olha para a geringonça, ao apelar ao Governo para «meter a segunda velocidade no carro», pedindo mais à saída do encontro na Sala das Bicas, no Palácio de Belém.
Ou seja, para o líder da Intersindical não há forma de o Governo poder recuar em matéria de políticas anti austeridade, de recuperação de rendimentos e de direitos e, se houver «esse recuo» o carro (a geringonça) terá de «ir à oficina para arranjar a caixa de velocidades».
«O governo tem de meter a segunda, para depois se meter a terceira e assim sucessivamente para se apanhar a velocidade de cruzeiro. E o governo já percebeu que tem de ser este o caminho. Se não for, então está a pôr em causa o seu próprio futuro», advertiu.
Estas declarações foram posteriores a ser público um documento enviado pelas Finanças, e assinado por Mário Centeno, à comissão Europeia sobre Orçamento de Estado (OE), no qual o governo assumiu que os salários na função pública vão continuar congelados.
Talvez por isso, Arménio Carlos não tenha abandonado Belém sem deixar um recado ao Governo: «É essencial que o OE 2017 considere uma resposta aos problemas dos trabalhadores da administração pública, mas também à melhoria dos serviços públicos».
Mas, como diz o ditado, lá acabou por dar ‘uma no cravo, outra na ferradura’. Apesar de deixar no ar alguma ameaça, assumiu que o Governo tem tido «a sensibilidade necessária, assim como os restantes partidos que formam a maioria na Assembleia da República, para ouvir e para procurar corresponder» aos anseios e necessidades dos trabalhadores.
O risco de esvaziar a luta sindical
Em declarações esta semana ao i, o antigo líder da central sindical Manuel Carvalho da Silva (esteve 25 anos como secretário-geral da CGTP) admitiu que, perante um cenário de um governo apoiado à esquerda isso pode acabar por produzir riscos de um «esvaziamento da mobilização reivindicativa». Essa é, aliás, a tática «seguida pela direita ao tentar comprometer de forma total o BE e o PCP com o Governo», defendeu. «Com essa ação a direita quer impedir que haja um espaço crítico à esquerda do Governo», disse, defendendo que esse espaço «não pode desaparecer».
Para Carvalho da Silva, o movimento sindical tem «estado numa posição de equilíbrio bastante interessante, porque não tem abdicado de colocar as suas posições, tem feito movimentações, manifestações e lutas em momentos bastante oportunos e mantém-se atento». Alertou que se deve, assim «manter uma atenção muito grande e uma mobilização forte em relação à administração pública por razões que são evidentes, já que toda esta dinâmica neoliberal que vem da Europa, e também internamente, afronta a estruturada da administração pública, afronta a prestação dos direitos sociais fundamentais dessa estrutura». Carvalho da Silva prevê, assim, que saúde, educação, segurança social, formação, justiça são áreas que vão estar em tensão forte. «É de prever ação do movimento sindical (veja-se o caso recente no setor da saúde por cauda da aplicação das 35 horas). É provável que assista a outras mobilizações», antevê.
Os dados disponibilizados pelo Ministério do Trabalho ao SOL indicam que nos primeiros cinco meses deste ano foram comunicados à Direção-geral do Emprego e das Relações Trabalho (DGERT) 36 pré-avisos de greve, contra 41 em igual período de 2015 (menos 12%). Esta descida confirma uma tendência que vem de 2014 (dados até 31 de maio), ano em que se atingiu o pico de pré-avisos entregues nos últimos cinco anos: 74. Se compararmos 31 de maio de 2014, com a mesma data deste ano, a quebra é superior a 50 por cento (51,3%).
A evolução dos pré-avisos de greve entregues até ao final de maio foi a seguinte: 2012 (62), 2013 (71), 2014 (74), 2015 (41) e 2016 (36).
Quando se compararam os anos completos, 2012 foi o campeão dos pré-avisos ao longo dos 365 dias do ano: Ao todo deram entrada no ministério 1895 pedidos. A partir daí os números têm vindo a cair, com 2013 a registar ainda valores elevados, com 1534.
Todavia, a maior queda aconteceu entre 2013 e 2014. Se no primeiro daqueles anos entraram 1534 pedidos, ao longo de 2014 aquele valor não foi além dos 619, uma queda muito próxima dos 60%. No ano seguinte, 2015, o número de pré-avisos voltou a subir, fixando-se nos 811 (mais 31%).
No âmbito do setor empresarial do Estado, o número de pré-avisos também caiu nos últimos anos. Em 2012 atingiu os 421, em 2013, os 371, no ano seguinte, 2014, baixaram para 247, fixando-se nos 191 no ano passado, 2015.
Entre as ações sindicais mais marcantes do ano está a semana de luta que a CGTP desenvolveu em maio a favor do regresso das 35 horas à função pública, e que terminou com uma manifestação nacional em Lisboa, a 20 desse mês, o fim da greve dos estivadores, a 30 de maio, que encerrou um longo período de greves ao longo dos últimos três anos e meio e que levou à quase paralisação do Porto de Lisboa e, por fim, a greve de dois dias dos enfermeiros pela aplicação das 35 horas, no passado dia 29.