Castigos de verão

Educação é, antes de mais, exemplo. 

O André não pode vir connosco para a praia porque está de castigo. A Joana afinal não vem passar o fim de semana porque está de castigo. Frases que ouço repetidamente, Verão após Verão. 

Os anos passam e o juízo destes pais castigadores não amadurece: maus resultados escolares significam cárcere. 

Proibir os jovens de apanhar sol, nadar, rir e conviver com os amigos vai torná-los responsáveis, eficientes, vencedores? Pelo contrário: revolta-os e torna-os ainda mais irresponsáveis.

Casos há em que os pais saem para o trabalho e fecham os filhos – de 15, 16, 17, 18 anos –  à chave em casa. Às vezes chegam ao requinte de lhes sonegarem o computador e o telemóvel. 

Pensarão honestamente estes pais que, desta forma, os filhos pegarão n’Os Maias e lerão o livro, com deleite, de fio a pavio? Ou que esses jovens prisioneiros dedicarão os dias de clausura à meditação e ao arrependimento? 

Educação é, antes de mais, exemplo. 

Não conheço nenhum filho de leitores verdadeiros (os que efetivamente ocupam os tempos livres a ler com gosto, não os que gritam do sofá da televisão «tens-que-ler-para-seres-alguém, filho!») que não goste de ler. 

A curiosidade pelo mundo e a vontade de agir sobre ele adquirem-se por contágio, não por ordem superior: adultos angustiados, deprimidos, zangados com a vida ou com eles mesmos, não conseguem transmitir às crianças senão angústia, depressão e raiva. Sobretudo quando tentam ‘disfarçar’. 

As crianças nascem com antenas apuradas para a verdade e a mentira das ações e dos seres. Infelizmente, muito daquilo a que chamamos educação consiste em cortar essas antenas. 

Escondemos as nossas fragilidades, medos e desgostos, pensando assim proteger as crianças: mas a alegria fingida é mais triste do que qualquer tristeza, e até os bebés sabem distingui-las. 

Nós é que, muitas vezes, nem nos damos conta da diferença entre a nossa realidade e o fingimento. Pensamos que não nos convém. Deixamos de pensar no que somos, no que queremos, para onde vamos. Ora eu não sei nem pretendo saber nada de Educação, mas sei isto: só pode educar, quem sabe quem é, o que quer e para onde vai. Ou quem pelo menos não tema dizer claramente que anda a tentar saber isso. O resto virá por acréscimo.

Um verão de castigo não ensina nada. 

O castigo é a grande estupidez da História humana; depois de séculos de pura teoria, já começa a chegar à prática da Justiça – embora timidamente – a ideia de que a pena de prisão deve ser entendida como oportunidade de regeneração. 

O castigo, como Dostoievski explicou, é uma consequência íntima do crime, uma provação dentro do ser – ou não é nada, nem produz efeito algum. 

Um jovem que falha não precisa que os pais o fechem em casa para se sentir um falhado; aliás, em geral, a sua conclusão – e muito atinada, quer-me parecer – é que falhados são os que usam o seu poder de adultos para humilhar e ferir os que dependem deles. 

Se um filho acumula reprovações escolares, alguma coisa está profundamente errada na sua relação com a escola, consigo ou com os mais próximos; o caminho para resolver o que está mal é conversar e responsabilizar. 
Um trabalho de férias – num café, numa loja, num centro de voluntariado – pode ser útil: fechar o ‘prevaricador’, proibir-lhe o convívio ou a comunicação com o mundo, é apenas e só uma tremenda idiotice. 

Sei de raparigas fechadas em casa que engravidaram – e não por obra e graça de um anjo Gabriel, mas através do extraordinário engenho e arte que a reclusão acrescenta à raiva. Proibir e prender são verbos opostos a proteger e educar. 

A nova geração, criada por uma geração de gente aterrorizada com a sua própria liberdade e com o que não soube fazer dela (politica, social e intimamente), vive em redomas sucessivas até ao fim da juventude. 

«As coisas agora não são como no nosso tempo» – dizem, esquecendo que já os pais deles diziam o mesmo. 
Os adolescentes de classe média andam numa roda-viva entre a escola e as várias atividades extraescolares, do chinês ao judo, que os pais arranjam para os ocupar a tempo inteiro e os obrigar a terem mais ‘sucesso’ do que eles próprios, seja lá isso o que for. 

Os pais anotam as datas dos testes e decidem fechar os rebentos em casa nos fins de semana anteriores aos ditos para ‘estudarem’ à força, em vez de lhes dizerem, desde os primeiros anos de escola, que é deles a responsabilidade de saberem as datas das provas e de se prepararem para elas. 

As novas tecnologias, que apavoram os pais pelo descontrolo, são descontroladamente utilizadas pelos próprios progenitores: sei de uma mãe que exige fotografias de telemóvel ao filho de dezassete anos, de hora a hora, quando ele sai de casa. Se isto não é vontade de ser enganado, não sei o que é. 

Educar é demonstrar responsabilidade pela própria existência, transmitir confiança e entusiasmo. O resto vai pelo bom senso. Mas onde anda ele, o bom senso dos pais extremistas que se julgam extremosos?