Ainda antes de António Costa ter inventado a geringonça nacional, já o Funchal tinha descoberto uma maneira inovadora de juntar partidos que à primeira vista podiam parecer incompatíveis. Na geringonça madeirense cabem o PS, o BE, o MPT, o PAN, o PTP de José Manuel Coelho e só já não está o PND porque entretanto se extinguiu. Esta coligação inesperada cola-se com cabeças de listas independentes e um programa coeso num acordo assinado antes da ida às urnas nas autáquicas de 2013. O resultado foi histórico: uma vitória que acabou com 37 anos de hegemonia social-democrata na Madeira.
A menos de um ano das autárquicas, ainda não é certo que a fórmula se repita. Essa é uma hipótese em aberto, mas os partidos ainda estão a afinar estratégias. Só uma coisa é dada como garantida: Paulo Cafôfo vai tentar a reeleição como presidente da Câmara. «Vou ser candidato», anuncia ao SOL três anos depois de ter deixado de ser um professor de História de liceu para se transformar num dos rostos mais marcantes a oposição ao Governo Regional de Miguel Albuquerque.
Cafôfo diz que não é o «special one da política da Madeira», mas admite que foi uma peça chave para a solução que tirou o PSD da Câmara do Funchal, embora não goste de ser visto como um dos homens que ajudaram a derrubar o ‘jardinismo’. «Estou aqui para construir e não para destruir».
‘Estrangulamento financeiro’
Em 37 anos de poder de Alberto João Jardim e com Miguel Albuquerque na Câmara do Funchal, o verbo construir tem-se conjugado com toneladas de betão e alcatrão. Mas os tempos são outros. Quatro resgates depois, Paulo Cafôfo recebeu uma autarquia com 100 milhões de euros de dívida e uma relação complicada com o Governo Regional social-democrata. «Os contratos-programa com o Governo que habitualmente correspondiam a investimentos entre quatro a seis milhões de euros por ano estão todos bloqueados», queixa-se.
As contas complicam-se com um litígio que herdou de Albuquerque e que fazem com que o município ainda não tenha recebido do Governo Regional os cinco milhões de euros relativos ao IRS de 2009 e 2010. «Miguel Albuquerque interpôs uma ação contra Jardim para reclamar esse dinheiro. Agora que está no Governo, não paga à Câmara». Enquanto isso, o contencioso arrasta-se nos tribunais, apesar de já haver decisão favorável do Supremo Tribunal Administrativo. «O tribunal já reconheceu que não cabe ao Governo da República pagar, mas falta a decisão que obrigue o Governo da Madeira a transferir o dinheiro», conta Cafôfo, que diz não ter tido vida fácil à frente da autarquia. «Há uma estratégia de estrangulamento financeiro», denuncia.
Apesar disso, o independente eleito pelo PS reclama ter conseguido baixar a dívida da Câmara ao ritmo de um milhão de euros por mês. Foi essa estratégia que lhe permitiu conseguir um empréstimo de 10 milhões de euros que agora constitui o montante que tem disponível para investimentos.
Como obra feita, tem para mostrar as recentemente renovadas piscinas do Lido, que em julho receberam 60 mil visitantes e que foram inaguradas em Março, com António Costa ao lado de Paulo Cafôfo.
Os dois homens da geringonça têm mais em comum do que as horas de negociação constante a que obriga uma solução de governação com partidos tão diferentes. Cafôfo inspirou-se no exemplo de Costa para lançar no Funchal um orçamento participativo e uma das obras que foram pedidas pelos munícipes é um skate park que já está a ser construído.
«Quando disse que ia fazer um orçamento participativo toda a gente disse que as pessoas não estavam habituadas e não iam participar. Foi um dos mais participados do país», aponta o autarca que diz ter encontrado na cidade uma vontade de construir «uma democracia mais participada».
Enquanto anda pelas ruas do Funchal, é difícil avançar mais do que cinco passos sem ser interpelado por um munícipe. Perguntam-lhe por uma licença que está pendurada na Câmara, cumprimentam-no, comentam sobre como vão os negócios.
A geringonça pensada por António José Seguro
Hoje, é uma figura imediatamente reconhecida na cidade. Mas há três anos não era assim. Paulo Cafôfo era professor de História e a atividade mais política a que se dedicava era a que estava relacionada com a direção num sindicato afeto à FENPROF. Não tinha cartão partidário. «Nunca calhou». Mas interessava-se o suficiente por política para ser chamado pelo PS para organizar uma série de conferências do Laboratório de Ideias do partido na Madeira. Deu suficientemente nas vistas para o então líder regional do PS, Vítor Freitas, o desafiar para ser o cabeça de lista à Câmara do Funchal.
A missão de ganhar parecia impossível e Paulo Cafôfo hesitou antes de aceitar. Mas resolveu abraçar um projeto que foi gizado com o aval de António José Seguro. Ao contrário da geringonça nacional, esta coligação madeirense foi pensada de raiz. De resto, nem as regras da lei autárquica dão margem para acordos do tipo do que foi feito por António Costa nas legislativas.
«Sabíamos que para ganhar tínhamos de agregar esforços e construir um programa forte». Os partidos acordaram entre si a distribuição de lugares e ficou combinado que todos apresentariam cabeças de listas independentes. «Mas isto não é um movimento de cidadãos. É uma coligação de partidos», sublinha o autarca, que não embarca no discurso da desconfiança sobre as máquinas partidárias, mesmo que não seja capaz de anunciar já se vai ou não filiar-se no PS. «Isso não é o mais importante», justifica-se.
Não foi por acaso que a coligação na altura com seis partidos decidiu chamar-se ‘Mudança’. Paulo Cafôfo saiu para a rua com a desvantagem de ser um quase desconhecido e com a vantagem de personificar uma atitude diferente bem sintonizada com o espírito de uma época que se deixa seduzir pelas políticas dos afetos.
Cafôfo é avesso a gravatas, chega à Câmara todos os dias numa vespa e parece nunca perder a paciência para o contacto com os eleitores. «Ele precisa disto. Parece cansativo, mas a ele dá-lhe energia», garante um dos seus colaboradores mais próximos.
Reiki e meditação
Quando precisa de relaxar, fecha-se no gabinete onde tem o busto de um Buda e queimadores de incenso para meditar. «Faço reiki e meditação», explica.
Os quadros a óleo de molduras douradas que existiam no seu gabinete foram substituídos por desenhos de Pedro Portugal que tinham sido danificados nas inundações do 20 de Fevereiro e estavam enroladas a um canto no Teatro Baltazar Dias quase prontas a ir para o lixo. «Disseram-me que não tinham dignidade porque estavam manchadas. Mas gosto de as ter aqui. Têm uma marca que também é a da cidade».
Nos corredores por onde passa todos os dias até chegar ao gabinete, não é raro cruzar-se com turistas. A Câmara tem agora sempre as portas abertas e recebe visitas guiadas feitas pela Universidade da Madeira, que fica com as receitas geradas. Quando o vêem, dois turistas holandeses mal querem acreditar estar perante o «mayor» da cidade. Brincam, assegurando que não se vão sentar na cadeira do presidente na sala onde se reunem os vereadores e acabam por perguntar o que é que quer dizer PSD. «Vimos bandeiras laranjas por todo o lado», justificam.
Paulo Cafôfo gostava de mudar esse cenário alaranjado e a verdade é que 2013 foi um ano em que o PSD perdeu terreno na ilha. Em 2009, os sociais-democratas tinham sete dos onze municípios da Madeira, agora têm apenas quatro. Mas nem por isso o PS pode cantar de galo. E, no caso de Cafôfo, a governação só se faz a rimar com negociação «Não temos maioria absoluta em lado nenhum. Nem na Câmara, nem na Assembleia Municipal nem nas Juntas de Freguesia».
O autarca está mesmo convencido de que «cada vez será mais difícil» conseguir maiorias absolutas quer a nível local quer regional ou nacional. Mas isso não o inibe de pedir uma. «Não será por ter maioria que vou deixar de ouvir e negociar, porque essa é a minha maneira de estar», promete.
Uma coisa é certa: a receita que usou na Câmara do Funchal não resultou nas regionais onde a coligação não foi além dos 12%. Resta saber como correrá quando se for a votos neste modelo em 2017.