Uma das notícias que têm marcada a discussão política em Portugal nos últimos dias prende-se com a presença do CDS/PP (e do seu ex-líder, Paulo Portas) no Congresso do MPLA, partido do poder angolano. Polémica que aumentou de tom após os elogios de Carlos César – Presidente e líder parlamentar do PS – ao trabalho desenvolvido pelo Presidente José Eduardo dos Santos. Afirmou mesmo o socialista que Angola representa uma fonte de oportunidades para Portugal, designadamente para as empresas portuguesas.
Aqui está mais um exemplo claro do ridículo a que chega a discussão política no Verão. O calor e as temperaturas altas, aliado a um certo vazio comunicacional que tem de ser ocupado, justifica que uma “não-notícia” seja tema de discussão de debates televisivos durante mais de uma hora (e em dias seguidos, em pleno prime-time). A verdade é que a presença quer do PSD, quer do PS, quer do CDS, quer do PCP é mais do que natural – e plenamente justificável. A notícia – criticável – seria a ausência de um destes partidos no Congresso do MPLA. O PCP tem ligações histórias com o MPLA – e, não obstante o rumo que o MPLA seguiu não seja exactamente aquele que os comunistas portugueses gostariam, marcou presença entusiasmada como partido institucionalista (e muito zelador da sua história) que é.
O PSD e o PS, obviamente, teriam que estar presentes – são os dois maiores partidos de Portugal, que alternam na liderança do Governo. Ora, o MPLA é o partido que governa Angola – país que é uma prioridade da nossa política externa. Prioridade, porque somos “países irmãos” na CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). Prioridade, porque Angola é o país mais estável de África, podendo vir a tornar-se a potência dominante africana, das poucas em que o Estado se revela capaz de preservar a sua autoridade progressivamente democrática (em Angola, vigora uma Constituição que institui um Estado de Direito democrático, a qual já foi mesmo caracterizada por reputados constitucionalistas portugueses como uma “Constituição muito avançada”). Prioridade de política externa, na medida em que há ainda muitos sectores da economia angolana em que Portugal – e os empresários portugueses – poderão dar um contributo decisivo para a modernização económica e para o progresso social da nação angolana. Prioridade, porque, afinal, em Angola, trabalham milhares de portugueses, muito elogiados pelas autoridades angolanas pela sua dedicação, pela sua competência, pela sua abnegação, pelo seu génio – não por acaso, Angola tem escolhido técnicos e académicos portugueses para formar as próximas elites (nas mais variadas áreas) angolanas. Ora, onde estão portugueses, onde estão interesses de Portugal e dos portugueses que merecem protecção – é aí que o Estado português deve estar presente. Portugal e Angola são dois Estados com relações fraternas e amigas. E a nossa amizade é para continuar – e para aprofundar. As declarações de Carlos César revelaram apenas prudência, bom senso, realismo e inteligência. E sentido de Estado – afinal, Carlos César (esta é a única verdadeira novidade) também sabe ser um estadista…quando não sacrifica a inteligência à conveniência.
Quanto ao CDS, Assunção Cristas foi muito inteligente. Porquê? Porque acentuou a dimensão de partido do poder do CDS. O CDS já exerceu funções governativas –e quer voltar a exercê-las. Logo, obviamente, este partido de direita não se poderia auto-excluir de participar numa iniciativa política relevante de um partido que lidera um Estado que é uma prioridade da política externa portuguesa. Por isso é que o Bloco de Esquerda nunca poderá desempenhar formalmente cargos de poder – nem mesmo com o PS ou com o PCP, os bloquistas partilham ideias de consenso em matéria de política externa ou de defesa.
Nós percebemos que Manuel Monteiro se sinta incomodado com a participação do CDS no Congresso do MPLA: o PP de Monteiro já encerrou a sua actividade. Já foi liquidado sem que os credores- entre os quais, o próprio Manuel Monteiro – pudessem satisfazer os seus créditos. O CDS/PP de Assunção Cristas é outro partido completamente diferente. O PP de Monteiro era anti-europeísta, o de Cristas é claramente europeísta; o PP de Monteiro era conservador, o de Cristas é progressista católico; o PP de Monteiro era intervencionista com laivos anti-capitalistas, o de Cristas é claramente defensor de uma economia capitalista, assente na iniciativa privada. Enfim, o PP de Manuel Monteiro era um partido anti-poder; o CDS de Cristas é um partido que se quer de poder.
É este antagonismo de natureza e de vocação entre o PP versão Monteiro e o PP de Assunção Cristas (que recuperou o CDS e praticamente apagou o PP) que justifica as críticas muito duras de Manuel Monteiro à actual direcção pela participação do CDS no congresso do MPLA. Agora, também não é preciso cair no exagero de Hélder Amaral puxando pela ascendência angolana de Assunção Cristas: esta frase caiu mal cá dentro, como caiu mal junto dos responsáveis angolanos, porque são uma forma demasiado ostensiva de “dar graxa”. Calma, Hélder Amaral, não se entusiasme tanto! Seja mais contido, homem – é um deputado que até pensa bem mas deixe-se excitar demasiado, levando-o a proferir disparates sistematicamente!
Uma última nota: bem sei que virou moda criticar Angola –e a crítica é sempre positiva, porque faz o mundo girar e a sociedade evoluir. Seja ela qual for. No entanto, convém recordar que Angola já avançou muito, comparando com outros países que partilham o mesmo espaço político-geográfico. Não podemos analisar um Estado em construção com um Estado, como os europeus, cujas origens, com maiores ou menores diferenças, já remontam há vários séculos. A democracia perfeita (aquela com que nós sonhamos) demora tanto a construir –e não é certo que a construamos. Levará ainda mais tempo em Estados em construção como é o caso de Angola. O esforço de Angola é, no entanto, notável nas últimas décadas – note-se que só em Portugal é que se diz mal abertamente do país. Outras democracias –ditas mais evoluídas que a portuguesa- elogiam, publica e largamente, Angola como um exemplo a seguir por outros estados africanos. Assim como cada homem é si e a sua circunstância – também os Estados são os Estados e a sua circunstância. Voltaremos a esta reflexão.