Recentemente escreveu na sua página de Facebook: “Foi preciso apagarem a chama olímpica para ficarmos a saber que participou nos Jogos do Rio de Janeiro um país chamado União Europeia, o qual se distinguiu por ter ganho o maior número de medalhas. O meu venceu apenas uma de bronze. E eu continuo a ser português e a prescindir das outras todas.” É um eurocético?
Sou um “eurocontido”. Desde a altura em que o CDS era assumidamente eurocético que o partido se encontra um pouco esvaziado de discurso europeu. Acho que é importante, numa altura em que a Europa está a sofrer algumas convulsões internas, os partidos portugueses terem um debate gradual e informado sobre a integração europeia.
É, portanto, um soberanista?
Sou um soberanista confesso, mas isso não nega uma orientação europeia num quadro mais conservador que veja os Estados-nação como expressão de autodeterminação dos povos, essencial para a integração europeia posterior.
E nos últimos anos perdemos essa autodeterminação?
Tem-se esbatido. Está a seguir-se uma linha progressista e iliberal, à imagem do que era o espírito dos seus fundadores, que esqueceu fatores demasiado importantes. Se a Europa vive das suas diferenças, querer construir um federalismo sem povo é um erro.
Terá sido essa uma das causas do Brexit?
É verdade. E o que me provoca alguma aflição é a Europa ter respondido a fenómenos como o Brexit com mais Europa, quando o problema é precisamente a conceção cada vez mais socializante que a Europa está a tomar, evidenciando défices democráticos. O escrutínio às instâncias europeias é cada vez menor, há burocratas que ninguém sabe como foram parar aos centros de decisão.
Precisamos então de menos Europa?
Não digo menos Europa porque não quero retroceder, mas uma Europa de maior qualidade. Fazer uma integração mais gradual e com maior afinidade com as pretensões de cada Estado.
Quando o Partido Socialista, que é o partido português com maior tradição europeísta, entra numa linha eurocética, consegue compreender o ponto?
Compreendo à luz das circunstâncias económicas em que Portugal vive. Não compreendo, e é inaceitável, atendendo ao histórico da doutrina internacional do PS. A Europa é usada como bode expiatório para os fracassos socialistas.
Mas a doutrina internacional durante os tempos de Paulo Portas no CDS também terminou altamente europeísta…
Altamente europeísta no sentido de respeitar e honrar os pactos celebrados com o Estado português.
Mas antes do Tratado Internacional e da intervenção da troika, Portas já defendia a Europa.
O CDS é europeísta e eu sou um europeísta. Mas não me insiro no eixo federalista porque tudo aquilo que extravasar a união aduaneira e o mercado único construirá uma Europa que se transforme num projeto em que os povos não se reveem.
Com a polémica da ida pela primeira vez a um congresso do MPLA, houve sugestões de que Assunção Cristas ia afastar-se da doutrina internacional de Portas.
Eu não creio, pelos esclarecimentos da direção e da presidente, que haverá uma reversão na doutrina internacional do partido.
Depois da gafe de Hélder Amaral – representante oficial do CDS -, a relação do partido com Angola manter-se-á?
Vai manter-se a mesma, certamente, e eu quero aqui delimitar duas fronteiras. Uma coisa é um partido e outra coisa é o Estado angolano.
Do seu ponto de vista são duas coisas separadas?
Do meu ponto de vista são realidades muito homogéneas. O CDS é um partido de tradição democrática, pluralista, do tipo ocidental. Obviamente que não corroboramos um sistema de partido único. O voluntarismo das declarações do Hélder Amaral permite entendimentos desviantes mas que já foram esclarecidos.
Disse ao i que o MPLA e o CDS são “antagónicos”.
Claro. O CDS é um partido personalista, humanista, democrata cristão, que respeita as liberdades civis.
Mas um partido com um discurso soberanista vai a um congresso estrangeiro dizer “a nossa presidente é angolana?”
A nossa presidente não é angolana, é portuguesa nascida em Angola. Há uma grande diferença e acho que isso foi um lapso de expressão.
Mas Hélder Amaral diz que não retira o que disse…
O Hélder Amaral emendará a mão se assim o entender. Os riscos que corre por não se retratar são da sua conta. O partido tem uma posição clara e o partido é muito mais que o Hélder Amaral.
A ideia de que o CDS ganhará distância do regime angolano faz sentido?
Não sinto isso. Aliás, seria contraproducente por não ir de encontro ao conceito estratégico nacional. Angola é um país irmão que também faz parte da CPLP.
Não vai haver uma demarcação da direção de Assunção Cristas em relação ao legado de Paulo Portas?
Até ver, não. Se mais tarde houver uma mutação desse entendimento, será ao abrigo dos órgãos nacionais do partido.
Para si, Paulo Portas foi o líder mais marcante da história do CDS?
Todos os líderes do partido tiveram uma relevância histórica que é importante saber ler à luz do contexto da época. Paulo Portas foi o presidente com mais anos em funções, e por ser um líder carismático, com rasgo e com uma intuição política invulgar, condicionou muito o conceito ideológico do CDS moderno. Se me pergunta se, na sua génese ideológica, os fundadores como Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa foram os mais marcantes na construção do partido, sim. Se me pergunta, no CDS que conhecemos hoje, o líder que o catapultou para uma aceitação popular depois de um período em que estávamos a definhar, foi Paulo Portas.
Foi ele que o inspirou a vir para a política?
Teria vindo para a política e para o CDS independentemente de Paulo Portas, que nunca deixará de ser uma enorme inspiração. Mas a minha grande referência política é o meu avô. Ensinou-me que a política enquanto profissão cívica é a mais alta forma de caridade.
O seu avô que foi vice-presidente de câmara em Oliveira do Hospital pelo PSD?
Sim, embora hoje esteja mais próximo do CDS.
Graças a si?
Não só. Teve muitas desilusões com o PSD.
Porquê?
Pela falta de ética que alguns dos seus representantes locais apresentaram no exercício de funções.
Filiou-se durante a liderança de Paulo Portas?
Filiei-me quando Ribeiro e Castro era presidente, mas senti-me mais realizado através da liderança de Paulo Portas.
Portas, não tendo sido da Juventude Popular, foi um presidente amigo da JP?
Foi porque soube reconhecer talento, proporcionando uma transição para o partido com margem de influência. Deu muitas oportunidades à Juventude Popular.
Neste momento, a JP é a única jota sem assento no parlamento…
Olho para esse facto com alguma apreensão e a nossa comissão política nacional tem a pretensão de voltar a dispor de representação parlamentar. Portugal não está condenado a ter apenas duas grandes juventudes partidárias.
Qual seria a diferença entre um deputado do CDS e um deputado da JP naquela bancada?
Um deputado da Juventude Popular frequenta os meios de todos os jovens portugueses e tem presentes as suas preocupações. A voz de um deputado da JP é irreverente, desinstalada e o seu primeiro compromisso são os jovens, independentemente da sua filiação.
E também mais “eurocontida”?
Estaríamos centrados nas políticas de juventude, para a vida dos jovens. Mas seríamos uma voz mais “eurocontida” no parlamento e isso faz falta a Portugal.
É esse o caminho para o centro-direita reconquistar os 700 mil eleitores que perdeu nas últimas eleições?
A Juventude Popular procura reconstruir o centro-direita português, um centro- -direita capaz de se relacionar de forma diferente com a Europa, que não enverede pelos ímpetos federalistas de alguma direita. Nós somos a primeira linha da renovação do partido, a certeza da sua continuidade. Queremos ajudar o CDS a ser um partido autónomo de governo. Queremos ser a geração que coloca os pais a votar nos filhos, e não os filhos a votar nos pais.
Sente que o partido confia na JP para tudo isso?
Tenho a certeza de que o partido confia na Juventude Popular, mas essa confiança também terá de ser materializada em opções políticas que nós queremos ver plasmadas em futuras eleições. Se não nos derem oportunidade de exercer o poder público, claro que a nossa margem de influência tende a reduzir-se.
E como viu a chegada de Assunção Cristas a líder do CDS?
Cheguei a presidente da JP um pouco antes das eleições internas do partido. Cristas e eu temos percursos diferentes, eu fiz o percurso todo na estrutura, mas a verdade é que essa diferença é positiva na esfera dos partidos. Assunção Cristas preconiza uma via de admissão no partido pela sociedade civil, pelos méritos profissionais. Era uma professora de Direito a quem foi reconhecido valor e foi uma importação do CDS que resultou. A prova disso é que é hoje presidente do CDS com todo o mérito.
O Nuno Melo ainda é um dos mais queridos das bases do partido?
O Nuno Melo é um dos mais brilhantes parlamentares europeus. Representa os valores do partido cá dentro e lá fora. Tem percurso de escola no partido e carisma de líder. É natural que as bases sintam carinho por ele, como sentem pelas principais figuras do partido.
Como encarou a Juventude Popular a nova direção?
Com uma grande esperança de que a figura de Assunção Cristas toque os portugueses, que a sua liderança atinja novas franjas do eleitorado e que o CDS se renove e se apresente de cara lavada.
Era preciso lavar a cara depois de Paulo Portas?
Embora necessário, a governação de centro-direita foi austeritária. Havia que cumprir obrigações vinculadas pelo governo socialista anterior para devolver soberania a Portugal. O desapertar de cinto no final da legislatura foi muito ténue e esse era o caminho responsável que o governo estava a fazer. É nessa senda que se deve inserir o discurso do CDS.
É preciso refrescar depois da austeridade, então?
A austeridade era inevitável porque estávamos à beira de uma bancarrota. Mas o CDS deve refrescar-se. Só assim haverá um novo horizonte de esperança, sendo um partido desempoeirado que responda às dificuldades dos portugueses.
E mais concretamente por onde vai essa estratégia?
As autárquicas, por exemplo, são um ponto fulcral para a implantação do partido. Adelino Amaro da Costa tinha uma frase muito curiosa: as autarquias estão para os partidos democratas-cristãos como os sindicatos estão para os partidos comunistas. O crescimento do CDS pode ser alicerçado no poder autárquico. Há muitos fantasmas da oposição sobre não estarmos preparados para o poder local. Isso não é verdade.
Lisboa é o grande objetivo?
Em Lisboa temos Fernando Medina, que é um presidente não eleito. Falta-lhe legitimidade democrática para o exercício de funções, embora formalmente preencha os requisitos. Falta-lhe o batismo do voto e os lisboetas sabem que Medina nem sequer é de Lisboa, é do Porto. Este conjunto de obras que mergulhou a cidade no caos visa apenas a conquista do poder através do despesismo e do betão.
O que falta à capital?
Faltam medidas de inclusão, faltam medidas que promovam o arrendamento, especialmente o arrendamento jovem. Lisboa é uma cidade cada vez mais envelhecida. E falta responder aos desafios da cidade no que toca ao turismo.
O ex-secretário de Estado do Turismo, Adolfo Mesquita Nunes, fez um trabalho reconhecido. É por essa linha?
Sem dúvida. Desburocratizando e removendo taxas. O João Gonçalves Pereira tem feito um trabalho extraordinário como vereador do CDS. Tem liderado toda a oposição contra o socialismo de Medina.
Fala-se muito de uma eventual candidatura de Assunção Cristas.
A JP apoiaria sempre a nossa presidente. Sabemos que a câmara da capital dá uma projeção política próxima do governo. Sendo um projeto de grande envergadura, não seria despiciendo vermos a líder do partido abraçar essa oportunidade.
Nos costumes, a Juventude Popular tem assumido uma agenda conservadora.
Nós defendemos um Estado laico, que não haja dúvidas. Quando dizemos que somos democratas cristãos, não significa que não defendamos a separação de poderes. Aliás, temos jovens democratas cristãos conservadores, liberais. Cada um tem a sua liberdade de pensamento.
E quando juventudes como a JS clamam a liberdade da mulher para a interrupção voluntária da gravidez?
Nós somos expressamente contra o modelo atual, que isenta as mulheres das taxas moderadoras. Colocamos a dignidade da pessoa humana no centro de todas as políticas.
O aborto devia ser um crime?
Devia ser criminalizado, sim. Devíamos regressar ao modelo anterior.
A JP defende outro referendo?
Defendemos um novo referendo ao aborto com uma análise de todos os dados estatísticos para decidirmos se queremos ou não colocar a dignidade da pessoa humana no centro da política.
E esta é uma posição que assume não ter a ver com ligações à Igreja?
Tem a ver com alguns princípios que bebem da doutrina social da Igreja, como o valor da vida. Isto é importante dizer. A JP defende a vida da conceção à morte natural. Nada deve opor-se à vida por mero egoísmo.
Defendem uma família tradicional.
Pessoalmente, acho que o casamento é um instituto secular na sociedade. O casamento, por génese, é entre um homem e uma mulher. Causa-me algum pudor dizer um dia aos meus filhos que a ligação que me une à minha mulher é a mesma que une dois homens, porque os propósitos são diferentes. Não me faz confusão que haja uma chancela do Estado que una dois homens, mas não devia chamar-se casamento.
E a adoção?
Sou francamente contra a adoção por casais homossexuais. O objetivo é reproduzir a filiação natural e nenhuma filiação é natural com duas pessoas do mesmo sexo. Deve haver uma complementaridade entre o papel da mãe e o papel do pai no desenvolvimento da criança.
Durante o governo PàF, a ministra da Justiça mostrou interesse na liberalização das drogas leves.
Nós somos contra. Achamos que é um caminho para a degradação do homem.
Sobre o seu percurso pessoal, a política não foi a prioridade?
Queria que os alicerces da minha vida fossem sustentados no meu mérito académico e profissional. Tirei uma licenciatura em Direito, frequentei mestrado e comecei a trabalhar num escritório de advogados, onde ainda me encontro.
Quem é que o trouxe para dentro da “jota”?
Durante os quatro anos da licenciatura empenhei-me em ter bons resultados e ambicionar um bom emprego. O associativismo que fiz nessa altura foi sempre ligado à academia, porque não conhecia ninguém na Juventude Popular. Foi uma adesão simplesmente ideológica. O único amigo que tinha da JP, dos tempos do Colégio Militar, até emigrou.
Não houve nenhum momento determinante?
Quando o Paulo Portas proferiu uma alocução na abertura do ano letivo no Colégio Militar. Ele era ministro da Defesa e fiquei maravilhado com a retórica, com a eloquência e com o sentido de Estado, e não mais me esqueci. Mas a razão estrutural foi a afinidade com os princípios do CDS.
E não conhecendo ninguém, como chegou a presidente?
Na política e em tudo o resto, fui um self-made man. Construímos uma equipa com gente nova e com credibilidade. Em 2012, candidatámo-nos e ganhámos a concelhia de Lisboa da Juventude Popular. Depois foi vir trabalhando até aqui.
O que procura nas pessoas que trabalham consigo?
Têm de vir para a política acrescentar valor. Ou através da sua vida académica ou através da sua vida profissional. Não quero que se filiem na JP e olhem para a política como profissão, como carreirismo. As juventudes partidárias não são centros de emprego. Têm de apostar na sua formação académica. Sempre defendi que a política pode ser viciante, mas não gerar dependências.
A sua prioridade parece mais a sociedade civil do que a própria classe política.
Sem dúvida. Queremos uma juventude do povo! Não temos de ter medo de dizê-lo. Povo é a população, os nossos vizinhos, os nossos amigos, a nossa família, e a JP procura proteger o seu interesse geral. O povo não é património de nenhuma força política.
E acha que o povo português foi protegido no caso dos gémeos iraquianos em Ponte de Sor?
O caso da agressão ao Rúben Cavaco revelou uma fraqueza quase ridícula das autoridades portuguesas. O Estado devia inteirar-se dos factos e, pelo menos, ameaçar com a expulsão do embaixador do Iraque e solicitar imediatamente o levantamento da imunidade diplomática dos seus filhos.
O governo de António Costa vacilou?
Vacilou e não fez tudo para proteger o jovem lesado e proteger os valores da nossa cultura que não podem ser transpostos.
Com Paulo Portas nos Negócios Estrangeiros, isto não aconteceria assim?
Evidentemente que não.
As opções de carreira depois de sair da política não têm sido as melhores para a imagem do CDS. Ricardo Costa, um dos seus melhores amigos nos jornais, escreveu que Portas “perdeu a noção”.
O partido e o dr. Paulo Portas são figuras autónomas. Mas, sobre o dr. Paulo Portas, quero dizer isto: seria um profissional de exceção em qualquer área que decidisse abraçar. Tem uma inteligência superior.
Ele tinha falado em fazer empresas. Acabou por ir para uma das empresas com mais interesses em Angola depois de ter defendido o regime no seu último discurso à frente do CDS…
Não concordo com essa leitura.
Nega que haja qualquer ligação entre o papel de Portas como governante e os novos empregos como consultor de empresas?
Nego. Não houve qualquer ingerência. Sempre vi o dr. Paulo Portas como um político idóneo que colocou os interesses do país acima das pretensões pessoais. Tanta gente critica os que são dependentes da política mas, quando alguém sai e consegue ter uma carreira profissional, também é criticado. Ele nunca usou a política para benefício próprio.
O Francisco teria ido para a Mota-Engil depois de ser vice-primeiro-ministro?
Não conheço os termos em que o convite foi feito nem sei os moldes em que é dada essa parceria, por isso não consigo pôr-me no ponto de situação do dr. Paulo Portas. Foi uma decisão pessoal, uma opção de vida.
Ainda acha que o vai ver em Belém?
Não faço a menor ideia. Posso dizer que gostava de o ver na Presidência da República e, se daqui a cinco ou dez anos ele estiver nessa disponibilidade, contará com o meu apoio pessoal.
Mas tendo em conta as opções de vida que referiu, tornou-se mais improvável…
Não vejo porquê, sinceramente. Defendo a independência face à política e ele está a plasmar isso. Deixar a vida política ao fim de 16 anos, conseguir o seu sustento em empresas de renome deve merecer o nosso aplauso, e não a nossa condenação. Queriam o quê? Que se reformasse à custa do contribuinte? Lamento, mas nós preferimos a meritocracia à invejocracia.