O texto de Jorge Costa é longo e traça o percurso de António Champalimaud, o homem que o Presidente da República ontem condecorou durante uma cerimónia de entrega de prémios de ciência atribuídos pela fundação com o seu nome.
Jorge Costa explica no site Esquerda.net como António Champalimaud perdeu o pai aos 19 anos e rapidamente entrou no mundo dos negócios graças a um “primeiro empurrão” de um crédito atribuído por Ricardo Espírito Santo que lhe permitiu começar a dar a volta às dívidas em que a família estava atolada depois do embargo da construção de uma linha de caminho de ferro que tinha sido adjudicada à empresa familiar.
Com esse “empurrão” e sendo sobrinho de Henrique Sommer, um barão alemão imigrado em Portugal, António chegou à administração da empresa do tio, a Cimentos de Leiria, a partir da qual expande o seu negócio.
Jorge Costa lembra depois o chamado “caso Sommer” que “começa em Março de 1957 e envolve duas acusações contra o empresário dos cimentos: a primeira é a do desvio de cerca de 10% da ECL deixados pelo tio Henrique Sommer aos cinco sobrinhos. Quando os co-herdeiros pediram a sua restituição, já Champalimaud as tem penhoradas e recusa a devolução, afirmando que pertencem às suas tias. A segunda acusação, de abuso de confiança, resulta da compra de acções da ECL pela Transformal, que depois as transferiu para a Companhia de Cimentos de Moçambique, ambas detidas por António Champalimaud”.
“Apesar da censura, o noticiário do Caso Sommer populariza o tema dos rendimentos e privilégios das altas figuras do regime. No seu livro Depoimento, Marcelo Caetano deplora o «ambiente público desfavorável ao capitalismo», devido ao «escândalo levantado, à inépcia do juiz presidente e à demagogia dos advogados». Pela defesa de Champalimaud desfila uma série de advogados oposicionistas, que conferem ao processo uma carga política incómoda: o jovem Proença de Carvalho, Manuel João da Palma Carlos (ambos expulsos pelo juiz em pleno processo), Salgado Zenha, que passa a basear a defesa em argumentos abertos de perseguição política, sugerindo que o regime se serve para isso de um «louco», o irmão de António Champalimaud. Em 1973, Champalimaud é absolvido e regressa de Acapulco, no México, onde se refugiara durante cinco anos”, recorda Jorge Costa.
Apesar dos advogados de defesa que escolheu, Costa explica mais à frente que depois do 25 de Abril António Champalimaud “estará em Madrid a organizar os grupos bombistas de extrema-direita que serão responsáveis por ataques contra a esquerda e por várias mortes”.
De resto, o bloquista tem um subtítulo no texto sobre Champalimaud, Spínola e Pinochet, que arranca com a frase “os bons espíritos encontram-se”.
“A 30 de Abril de 1974, à saída de uma reunião com Spínola, em que o presidente da Junta de Salvação Nacional discute o programa do MFA com os maiores capitalistas portugueses da época, António Champalimaud felicita «todos os que estiveram na base da gloriosa arrancada – o 25 de Abril de 1974». Além de Champalimaud, estão presentes José Manuel de Mello, Manuel Ricardo Espírito Santo, Miguel Quina (o banqueiro portuense do Borges e Irmão). Champalimaud recorda o regime caído há cinco dias e como este «limitava drasticamente a capacidade de acção dos homens de iniciativa» (Filipe Fernandes, Fortunas & Negócios, empresários portugueses do século XX, 2003). Como já sabemos, este antifascismo foi de pouca dura e, para defender as suas posses, Champalimaud e todos os outros passaram-se para a conspiração anti-democrática”, aponta o dirigente do BE, que explica como no exílio no Brasil o milionário português “inicia novas relações” e chega a encontrar-se no Chile “ com Augusto Pinochet, o militar que menos de dois anos antes assassinara o presidente eleito e iniciara o extermínio da esquerda”.
Os elogios de Marcelo
O retrato apresentado por Jorge Costa é muito diferente do que foi traçado por Marcelo Rebelo de Sousa antes de condecorar postumamente António Champalimaud no que disse ser “uma justa homenagem” feita num momento em que “ a serena distância histórica converte em inadiável” a condecoração a um homem a quem “a democracia portuguesa nunca reconheceu devidamente a envergadura da sua decisão fundadora”.
"A força das democracias reside em não terem complexos nem temores sempre que se trata de fazer justiça. Neste caso, fazer justiça em nome de Portugal", afirmou o Presidente, que sublinhou a importância do gesto do milionário ao criar a Fundação Champalimaud, dando com isso "um passo de inequívoco relevo filantrópico nacional e internacional" e "um passo que mais nenhum outro português deu, neste tempo, na área fundacional com tão vasto alcance patrimonial e social".
Marcelo atribuiu a Champalimaud a Grã-Cruz da Ordem de Mérito, uma condecoração que se destina a " galardoar atos ou serviços meritórios praticados no exercício de quaisquer funções, públicas ou privadas, que revelem abnegação em favor da coletividade".