O PS desdramatiza as divergências com o Bloco de Esquerda sobre as relações com o Brasil. Os bloquistas consideraram o “encontro” entre António Costa e Michel Temer “inoportuno” por se tratar de “um político que chega à presidência da República do Brasil sem legitimidade e a braços com a justiça”.
Os socialistas reagem com cautela às críticas do parceiro de coligação, mas deixam claro que Portugal não pode deixar de se relacionar com o Brasil. “Posso compreender a posição do BE dada a forma como Dilma Rousseff saiu, mas é uma questão interna do
Estado brasileiro e não vamos deixar de nos relacionar com o Brasil devido a uma circunstância política interna”, diz ao i Paulo Pisco, coordenador do PS na comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros. As críticas do BE, que anteontem lançou um comunicado a condenar o “encontro” entre o Costa e Temer, atingem também o ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva por ter feito declarações “no sentido de uma legitimação do novo governo brasileiro, das quais o Bloco também se demarca claramente”.
Os bloquistas lembram que “Temer está no centro de várias suspeitas, investigações e casos de corrupção” e “o governo português não desconhece que um dos objetivos dos promotores da destituição da anterior presidente é precisamente o de garantir impunidade perante o combate à corrupção e, particularmente, travar o caso Lavajato, em que muitos estão implicados”.
A destituição de Dilma mereceu duras críticas de alguns socialistas. Mas isso não faz com que alinhem com o BE nas críticas ao governo. O deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro – que classificou o processo que afastou Dilma do poder como “um golpe de Estado” – defende, em declarações ao i, que “o primeiro-ministro português faz muito bem em preservar e reforçar as relações diplomáticas com um país irmão. Unem-nos laços históricos, económicos, culturais, linguísticos e identitários que ultrapassam quaisquer governos”.
Estados de alma
O ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus Francisco Seixas da Costa alinha com os defensores de que a política interna no Brasil não pode afectar as relações entre os dois países. “Portugal não se relaciona com regimes políticos, relaciona-se com Estados. Era o que faltava que estados de alma de natureza político-ideológica, assentes em leituras constitucionais exteriores da situação política brasileira, viessem a projetar-se, ainda que ao de leve, nesse imenso tecido histórico que hoje constitui a importante malha do relacionamento luso-brasileiro”, afirma o ex-embaixador no Brasil.
Seixas da Costa, num texto sobre o assunto que publicou na sua página do Facebook, defende que “cada um é livre de pensar o que quiser sobre o assunto. Só que isso é, em absoluto, irrelevante para a política externa portuguesa”.
José Lello, ex-secretário nacional do PS para as relações internacionais, também considera que não faria sentido o primeiro-ministro recusar encontrar-se com o presidente de “um país irmão e com o qual Portugal tem as melhores relações”.
“Um não tema”
António Costa está a realizar uma visita ao Brasil durante esta semana para participar na cerimónia de abertura dos Jogos Paralímpicos, no Rio de Janeiro, e marcou presença na recepção que o Presidente do Brasil ofereceu a todas as delegações oficiais presentes.
Em resposta às críticas do BE, António Costa considerou tratar-se de um “não tema”. O primeiro-ministro garantiu que “esse é um tema que não vale a pena sequer alimentar, porque é evidente que o primeiro-ministro de Portugal não está numa cerimónia oficial com o Presidente da República do Brasil e não fala ao Presidente da República do Brasil”.
O socialista Tiago Barbosa Ribeiro também realça que “não há nenhuma polémica sobre esta matéria porque não houve nenhum encontro, mas sim a presença natural numa recepção oficial para chefes de Estado e de governo”