O Presidente da República estava igual a si próprio nas cerimónias de comemoração do 5 de outubro nos Paços do Concelho, em Lisboa. Na primeira vez desde os anos da Troika em que o país parou em nome da Implantação da República, Marcelo trouxe o fato escuro, a gravata azul, o sorriso e o discurso como pêndulo da balança. No topo daquele palanque, parecia querer dizer-nos: Agora eu estou aqui e está tudo bem.
“Seis anos depois o 5 de outubro, está vivo”, começou, provocando um comprimir de expressão em Pedro Passos Coelho, que se viu forçado a retirar o feriado aos portugueses devido a exigência dos credores.
O Presidente ia dando, como diz a expressão popular, uma no cravo e outra na ferradura. “Todo o poder político é temporário e limitado”, avisou, tanto para Costa como para Passos. Mas “a liberdade em pobreza é uma liberdade débil”, salientando a importância do Estado social para a democracia; o mesmo Estado social que também foi obrigado a cortes nos referidos seis anos.
“Separar as igrejas do Estado não é o mesmo que querer impor padrões que neguem a liberdade de crença e religião”, atirou depois para a ‘geringonça’, que não tem mantido as melhores relações com a Igreja católica, tanto a nível fiscal como a nível de costumes.
Sobre a União Europeia, foi ainda mais discreto. “De pouco valem a liberdade a democracia se as comunidades em que nos inserimos preferirem o sacrifício dos direitos à sua garantia, o árbitro de alguns ao respeito de todos”. O destinatário não foi nomeado diretamente, mas a crítica estava lá e só podia ser para Bruxelas, onde ainda ontem se discutia a possibilidade de sancionar Portugal por incumprimento do défice.
O discurso presidencial foi, então, breve, abrangente e tranquilo. Até tocou no tema tabu da monarquia, assumindo-se republicano, mas afirmando que “a maioria dos portugueses respeitam quem representa a linhagem, mas não questiona o regime” atual.
Marcelo concluiu que depois das várias lições do 5 de Outubro ao longo de mais de um século, o objetivo permanece o mesmo: que “mais portugueses possam rever-se na república democrática”. Todos aplaudiram.
Nas reações, João Oliveira, líder parlamentar do PCP, saudou a “reflexão” do Presidente acerca do “aprofundamento da democracia” no país. O seu homólogo do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, apontou “os valores lembrados pelo Presidente” como “os valores da República a que devemos estar sempre atentos. Carlos César, presidente socialista, louvou a mensagem presidencial como fundamental para “o espírito renovado com que vivemos a República”. À direita, Nuno Magalhães, pelo CDS, elogiou o “discurso de Estado” como “alento nacional” e Matos Rosa, pelo PSD, reconheceu um “recado” de Marcelo contra “a política do populismo”.
Em sete minutos, Marcelo falou de tudo sem maçar ninguém.