1. Na última edição em papel do SOL, foi publicada uma entrevista ao homem do leme da geringonça: Pedro Nunos Santos. Homem do leme porque é ele que mantém a paixão de conveniência entre PCP, BE e PS acesa. Homem do leme, porque foi ele o primeiro, pelo menos publicamente, a defender um entendimento alargado à esquerda. Homem do leme, porque é ele o ideólogo, desde há muito, da viragem do PS à esquerda, privilegiando os comunistas e trotskistas como interlocutores políticos – em detrimento de PSD e CDS.
2. Percebe-se que assim seja: Pedro Nuno Santos foi líder da Juventude Socialista, sucedendo a Jamila Madeira, numa altura em que a JS assume um distanciamento ideológico face ao PS. EM que termos? O PS assume-se como partido centrista, apologista de “uma esquerda moderna”, à imagem dos trabalhistas britânicos; enquanto que a JS é uma espécie de Bloco de Esquerda com limitação etária e com mais lugares para distribuir (pelo menos, na altura…).
Os melhores amigos dos tempos de Universidade de Pedro Nuno até eram bloquistas , alguns ocupando presentemente lugares políticos de relevo. O que significa que Pedro Nuno Santos, desde tenra idade, foi um “geringonçado” avant la lettre: sonhou, lutou, engajou-se com António Costa e – voilá! – a “geringonça” cumpriu-se.
3. Portanto, ao contrário do que sucede quanto a António Costa, Pedro Nuno Santos não é “geringonçado” por conveniência: é “geringonçado” por convicção e por ideologia. Ele é um ideólogo das esquerdas, que não só do PS. Mesmo quando António Guterres adoptou a rosa como símbolo do PS, procedendo, desta forma, à substituição do punho – Pedro Nuno Santos continuou a erguer, bem alto e vem cerrado, o seu punho esquerdo! E a lutar sempre pela ala esquerdista, proto-comunista, do PS. Se já exercesse funções políticas em 1974, Pedro Nuno Santos estaria certamente na oposição interna a Mário Soares: enquanto Mário Soares trabalhou para transformar um partido moderado e democrático, Pedro Nuno Santos teria preferido um partido mais próximo do PCP.
4. Até aqui nada de novo. A novidade está no sectarismo que Pedro Nuno Santos revelou; e na novidade histórica que anunciou. Primeiro, no sectarismo que revelou. Não é normal que Pedro Nuno Santos se refira em termos tão pouco lisonjeiros (e até censuráveis) a um militante histórico e um seu amigo pessoal, como é Sérgio Sousa Pinto, nos termos em que o fez. Fica-lhe muito mal. Já para não falar nos recados que enviou a Francisco Assis, sempre desvalorizando-o pessoalmente e como político. Este sectarismo é muito próprio da esquerda radical, assente no centralismo democrático e implacável com os seus detractores. Tanto contacto com o PCP está a revelar, dia a dia, a verdadeira natureza e personalidade de Pedro Nuno Santos.
5. Mais importante é o carácter histórico da entrevista. Pedro Nuno Santos afirma que a ala esquerda do PS é dominante – e que a ala direita (leia-se: a ala moderada, ao centro) é pequena. Ou seja: Pedro Nuno Santos admite, pela primeira vez, que o PS virou à esquerda. E virou por convicção. Que este partido – próximo do PCP, com reticências à Europa, que olha com desconfiança para a iniciativa privada e para a riqueza e poupanças dos cidadãos – será o PS do futuro.
Segundo Pedro Nuno, a ala moderado do PS é uma espécie em vias de extinção: o PS de Mário Soares morreu. O PS europeísta convicto colapsou. O PS defensor da economia de mercado, com intervenção correctora do Estado, já é uma relíquia histórica. O PS, assente no funcionalismo público de carreira e com vínculo permanente ao Estado, nos sindicatos e num poder público ilimitado (daí as leis ridículas que este Governo tem aprovado, de que o fim do sigilo bancário é apenas um exemplo), é o PS de futuro.
Volvidos 42 anos, o PS – movido pela conveniência de António Costa e pela convicção de Pedro Nuno Santos – quer refazer a história: voltar à Fonte Luminosa e selar um acordo com Álvaro Cunhal, que ainda vai vivendo na ortodoxia do PCP (que não muda desde 1932).
O que significa que Mário Soares venceu o 25 de Abril, venceu o processo de democratização do país – mas perdeu na História. A evolução da História – que apontaria para o reforço da vertente moderada do PS – foi no sentido contrário: o PS guinou à esquerda, seguiu o caminho que Mário Soares (e bem!) evitou.
6. A entrevista ao SOL de Pedro Nuno Santos é, destarte, uma entrevista histórica – deve ser guardada para memória futura. Por isso, não se compreende que não tenha merecido qualquer reacção dos partidos políticos moderados (PSD e CDS), nem qualquer seguimento por parte de outros órgãos de comunicação social. Estavam distraídos? Não leram a entrevista? Têm medo da força do jornalismo do SOL – e não quiseram dar “publicidade” gratuita? Não se percebe: só mesmo no Portugal “geringonçado” é que uma entrevista decisiva e histórica – como a de Pedro Nuno Santos ao SOL – passa completamente despercebida…Não interessa que seja muito visível. Nós percebemos.
7. Uma última nota sobre o PSD: é indesculpável que Pedro Passos Coelho tenha ignorado a entrevista de Pedro Nuno Santos – e não a tenha aproveitado. Porquê? Ora, Pedro Nuno Santos vem dizer que a ala esquerda conquistou o PS, existindo apenas uma pequena ala moderada. O que significa que o dirigente mais importante do PS, a seguir a Costa, admite que o PS abdica do centro, preferindo crescer à esquerda.
Ora, qual seria a atitude inteligente de Pedro Passos Coelho? Primeiro, denunciar a entrevista de Pedro Nuno Santos, que prova a tese que o PSD tem clamado nos últimos tempos e que o PS tenta desmentir. Desta vez, não é um comentador ou um analista político. Não: é o homem máximo da geringonça e braço-direito de António Costa na actualidade.
Segundo, começar a ocupar o espaço do centro político que o PS abandonou. Já que o PS virou à esquerda, o PSD pode crescer no espaço que faz ganhar eleições: o centro moderada. Para isso, o PSD tem de, uma vez por todas, deixar de ser encarado como o partido da austeridade, das medidas difíceis, do “papá” que só se chama para castigar os filhotes quando fazem asneira…Deve Passos negar o seu passado? Claro que não. Deve Passos manter o discurso rigoroso? Claro que sim.
Há é que associar ao rigor nas finanças, medidas que mostrem aos portugueses que podemos ter esperança em Portugal. Que o PSD quer construir uma sociedade mais justa, moderna, livre e assente no maior poder de todos: o poder das pessoas. O poder do povo. E não no poder das” democracias populares”, que só trazem (hoje, como ontem, como sempre) terror e miséria…
8. O PS já esqueceu a lição da História. O PSD não se pode esquecer – porque, se o fizer, é a democracia portuguesa que estará em risco.