Sentido de humor e carreira política são coisas que nem sempre andam juntas. Ou quando andam, às vezes é disfarçado. Veja-se o caso de Jaime Gama – o homem que José Lello queria que tivesse sido secretário-geral do PS. Gama esconde ao público o seu magnífico sentido de humor. José Lello, não. Durante a sua longa carreira política, o humor foi sempre uma arma.
José Lello chegou à Assembleia da República nas eleições antecipadas de 25 de abril de 1983, quando a bancada socialista era apoiante do governo do bloco central – primeiro-ministro Mário Soares, número dois Carlos Alberto da Mota Pinto, líder do PSD. Não entrou nas listas do PS feitas por António Costa. A sua grande proximidade a José Sócrates – de quem foi um dos grandes defensores na praça pública desde que começou a Operação Marquês – não convinha ao partido, mas o próprio revelou em entrevista ao i que apesar de ter sempre «gostado muito» do Parlamento, já se sentia «cansado».
Lello – que sempre esteve com Mário Soares e Jaime Gama contra o chamado ex-secretariado de Constâncio, Guterres e Sampaio – fez parte do grupo impulsionador da embrionária candidatura de José Sócrates a secretário-geral do PS, que se começou a desenhar quando Ferro Rodrigues ainda era líder dos socialistas.
Na entrevista, Lello conta como era a conspiração contra Ferro: «O Ferro Rodrigues foi para a liderança e eu era, como de costume, contra o Ferro. Fui contra o Ferro, contra o Sampaio e mantive sempre boas relações… Mas é nessa altura, estava o Ferro na liderança, que começamos a fazer a campanha do Sócrates. E ele não queria, era do secretariado do Ferro… Estamos na altura do Durão Barroso, fazíamos uns jantares, começou-se a colocar coisas na imprensa… Ele ficava furioso, achava que era uma coisa indelicada. Mas nós não tínhamos nada a ver com isso, éramos claramente contra o Ferro».
A conspiração que começou nuns ‘jantares’ teve sucesso. «Era um grupo forte onde estava o Serrasqueiro, o Renato Sampaio. O próprio António Costa também vinha aos nossos jantares. O Pina Moura. E, de repente, o Santana cai e o Ferro demite-se. Nessa noite estava um grupo em Amarante, o [Francisco] Assis também lá estava, a tentar convencê-lo [a Sócrates] e ele não queria. Que primeiro tínhamos de perguntar ao eterno António Vitorino que, como de costume, não quis. E pronto, ele apareceu, nós já tínhamos feito o levantamento das federações todas – é assim que se trata da mercearia partidária. E ele ganhou claramente as eleições.
José Lello foi ministro do Desporto num governo liderado por António Guterres. Antes tinha sido secretário de Estado das Comunidades quando Jaime Gama era ministro dos Negócios Estrangeiros. Foi ainda Presidente do Conselho de Administração da Assembleia da República e presidente da Assembleia Parlamentar da NATO.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sublinhou o «valor e contributo para a causa pública» dados em vida pelo socialista. Ferro Rodrigues, presidente do parlamento, destacou «a frontalidade» do ex-deputado socialista.
O PS, numa nota de pesar, destacou que José Lello «ao longo da sua vida prestou os mais variados e relevantes serviços ao partido e a Portugal». Os socialistas definem José Lello com alguém que se caracterizava-se por «um apurado e cortante sentido de humor, que utilizava muitas vezes como instrumento na sua atividade política e pública, tornando-o um dos mais conhecidos e populares parlamentares portugueses das últimas décadas». José Lello morreu aos 72 anos vítima de doença prolongada.