«Resumindo e concluindo, vamos ganhar! Vamos ganhar! Vamos ganhar em grande!» Qualquer pessoa que tenha acompanhado as últimas semanas de campanha dos dois principais rostos na corrida à Casa Branca ou que tenha passado os olhos pelos principais jornais norte-americanos e internacionais, no dia seguinte ao terceiro e último debate presidencial, não pensaria duas vezes antes de associar as convicções acima proferidas, a Hillary Clinton ou alguém ligado ao seu partido.
Curiosamente (ou não), tais frases saíram da boca de Donald Trump, no dia seguinte ao confronto de quarta-feira à noite nos EUA – madrugada de quinta-feira em Portugal – em frente a uma multidão de apoiantes da sua campanha, em delírio, na cidade de Delaware, no estado norte-americano de Ohio.
Perante tamanha confiança e desfaçatez, a mesma pessoa que acompanhou a campanha e que leu os jornais só pode concluir uma coisa: O magnata não assistiu ao debate e não se ouviu a si próprio sugerir que poderia não reconhecer o resultado das eleições, em caso de derrota. E seguramente não se ouviu a proclamar, minutos antes de garantir aos seus fãs que vai ser presidente dos EUA, que só aceitaria a decisão popular do dia 8 de novembro se for declarado vencedor.
As posições controversas de Trump em matéria de imigração, política externa ou economia, são extensas e conhecidas. Tal como a lista de insultos e frases polémicas, proferidas pelo próprio, que o levou ao isolamento dentro do Partido Republicano e que o colocou a uma distância considerável da sua adversária em praticamente todas as sondagens. Mas foi a sugestão de que o sistema eleitoral norte-americano não é transparente e que pode ser posto em causa, em caso de derrota, que acabou com as hipóteses de Trump chegar à Casa Branca, segundo uma grande fatia dos meios de comunicação, analistas e ex-políticos dos EUA.
O The New Times diz que Trump cometeu um «erro colossal», o Washington Post informa que o «Partido Republicano prepara-se para a derrota» e para a CNN «Trump escavou um buraco ainda mais fundo». Já o site Politico falou com 16 especialistas que concluíram «que a eleição acabou na quarta-feira» para Donald Trump.
«A campanha acabou», concorda um antigo diretor de campanha de George W. Bush, citado pelo Washington Post. Para Steve Schmidt, «a questão agora é: quão perto dos 400 votos eleitorais chegará Clinton?».
Recorde-se que, segundo o sistema eleitoral das presidenciais nos EUA, os norte-americanos votam para um colégio, representativo da distribuição populacional por cada estado. O órgão é composto por 538 delegados, pelo que Hillary ou Trump necessitarão, para vencer a corrida, da maioria dos seus votos, ou seja, 270.
O confronto final
No dia anterior, no tal debate final, Donald Trump até entrou concentrado e disposto a mostrar que pode oferecer aos eleitores norte-americanos aquela faceta presidencial que muitos o acusam de não ter. Durante cerca de uma hora, bateu-se bem contra uma Hillary mais experiente e com maior conhecimento sobre os temas em discussão, sem comprometer e mostrando, aqui e ali, que tinha a sua habitual tendência para a extravagância bem controlada.
Não quer isto dizer que o debate não tenha tido momentos semelhantes ao do encontro anterior – onde os candidatos colecionaram insultos e ofereceram um espetáculo digno de um qualquer reality show degradante -, até porque houve espaço para o ataque pessoal e a para tentativa de descredibilização. Clinton ridicularizou Trump por estar a apresentar um programa televisivo, enquanto ela «levava justiça a Bin Laden» na Casa Branca e acusou-o de poder vir a ser um «fantoche» da Vladimir Putin, caso seja eleito presidente. Por seu lado, o magnata rotulou Hillary como uma «mulher desagradável» e sugeriu que a candidata do Partido Democrata pagou às nove mulheres que o acusam de assédio sexual, para inventarem «mentiras» sobre ele.
Mas quando o relógio se chegou perto dos 60 minutos de discussão, o moderador Chris Wallace, da Fox News, quis saber mais sobre as insinuações de Trump sobre a falta de transparência do ato eleitoral, definido pelo candidato republicano com «viciado» ou «manipulado» a favor de Hillary. E foi aí que o magnata meteu os pés pelas mãos, ao confessar que poderia não vir a reconhecer uma eventual vitória de Clinton nas eleições – uma autêntica blasfémia num país que se intitula como o ‘mais democrático do mundo’. «Na altura logo vejo, vou manter o suspense», foi a resposta de Trump.
Posições do costume e pouca discussão
Heresias à parte, é justo que se diga, no entanto, que a contenda pouco teve de debate per si. Os 90 minutos da disputa serviram mais para o reforço das posições e dos argumentos das duas candidaturas, do que propriamente para uma discussão ou análise pormenorizada dos mesmos. Trump e Hillary despejaram, sobre o palco da Universidade de Nevada, em Las Vegas, aquilo que há muito vêm defendendo e pouco ou nada de novo se ouviu das suas bocas.
Os dois candidatos confirmaram aquilo que já sabíamos sobre eles e mesmo depois de falarem sobre as nomeações para o Supremo Tribunal, o aborto, as mulheres, o direito de uso e porte de armas, a economia, a imigração, as revelações da WikiLeaks ou a política externa, voltaram a deixar bem patente quem são e ao que vêm: duas personagens antagónicas, com visões totalmente opostas e representativas de duas faces completamente distintas dos EUA.