Ao contrário do que aconteceu com o último Orçamento, desta vez a discussão na especialidade vai contar com propostas do PSD e do CDS. Os centristas apontam para uma gestão «gota-a-gota» das propostas, os sociais-democratas evitam o «leilão» de ideias e preferem concentrar-se em «áreas estruturantes».
Pedro Passos Coelho anunciou-o ontem aos deputados durante a reunião do grupo parlamentar, mas não avançou que áreas estruturantes serão essas. Passos acredita que tem tempo: a discussão só começará depois da votação na generalidade no dia 4 de novembro.
De resto, na reunião, o líder não falou sobre se o partido poderá boicotar mesmo a audição de Mário Centeno na próxima terça-feira, caso o PSD não receba até lá informação mais detalhada sobre o Orçamento, como a previsão de receitas por imposto – que não consta no documento e sem a qual a oposição fica sem dados relevantes para a discussão.
Cá fora, Luís Montenegro revelou aos jornalistas esperar «nas próximas horas» ter a informação de que Ferro Rodrigues já se disponibilizou para conseguir junto do Governo que chegue à Assembleia da República, depois do pedido formal feito pelo PSD na quarta-feira.
Passos vira a agulha
Até sexta-feira, Passos Coelho tinha evitado dar uma resposta direta à pergunta sobre se iria ou não apresentar propostas de alteração ao Orçamento. O que Passos repetia há semanas era que a estratégia orçamental era da responsabilidade de quem governa e não de quem está na oposição. As meias palavras eram suficientes para dar a entender que o PSD ia repetir a fórmula do último Orçamento e não avançar com qualquer ideia.
Mas a pressão interna falou mais alto. Os sociais-democratas não estão contentes com a ideia de ficarem colados à imagem de quem está «à espera do diabo» – como tantas vezes diz António Costa – enquanto Assunção Cristas monta um discurso de alternativa.
O mal-estar é notório no interior do partido e Passos Coelho acabou por perceber que não podia não ir a jogo na discussão do Orçamento na especialidade, numa altura em que há cada vez mais sociais-democratas a pedir uma mudança de atitude. De resto, ainda na sexta-feira José Pedro Aguiar-Branco dizia, em entrevista ao i, que chegou o momento de o PSD «virar a agulha para o futuro».
CDS explora incoerências
No caso do CDS, a estratégia não é nova. Assunção Cristas mantém a mesma postura desde que chegou à liderança. Quer que os portugueses guardem do seu partido a ideia de que tem «propostas concretas», como a própria não se cansa de repetir. Por isso, não é de estranhar que os centristas se ocupem a preparar ideias para alterações ao Orçamento do Estado para serem votadas na especialidade.
Pelo meio, o CDS vai usar todas as oportunidades para expor as diferenças que dividem PS, BE, PCP e PEV. A primeira será com uma proposta que reclama um aumento de 10 euros para todas as pensões. Era o que pedia o PCP durante as negociações com o Governo ainda antes da apresentação do Orçamento e, por isso, os centristas querem ver como votarão os parceiros à esquerda de António Costa, sabendo que o primeiro-ministro dá como encerrado que só haverá um aumento de 10 euros para os pensionistas que recebem entre os 275 e os 628 euros.
«No último Orçamento do anterior Governo, o de 2015, o BE e o PCP pediam um aumento de 25 euros para todas as pensões até 628 euros», recorda Luís Pedro Mota Soares, que diz que a proposta que vai levar a votação não pretende só causar embaraço à esquerda mas também «é uma questão de justiça social».
Nuno Magalhães diz que «faz parte e é papel da oposição» escrutinar quem está no poder, pelo que é de esperar que haja outras propostas do CDS para apontar «incongruências» às esquerdas que apoiam o Governo.
Em que áreas vão explorar essas inconsistências? Nuno Magalhães não abre o jogo. «Várias», limita-se a responder, sublinhando que as propostas dos centristas serão sempre «em coerência» com as posições do partido, mas anunciadas «gota a gota» de acordo com que for a discussão em torno do Orçamento.