Editorial do b.i: As caixinhas são mais vezes nossas

“Muitas vezes, sobretudo nos primeiros anos, perguntavam-me porque não fazíamos antes um grupo de dança, em que eles não tivessem de falar, porque alguns não falam tão bem. Mas eles são pessoas que falam, pensam e que têm direito a traçar o seu caminho”, disse-me Marco Paiva, ator, encenador e diretor artístico do projeto Crinabel…

“Muitas vezes, sobretudo nos primeiros anos, perguntavam-me porque não fazíamos antes um grupo de dança, em que eles não tivessem de falar, porque alguns não falam tão bem. Mas eles são pessoas que falam, pensam e que têm direito a traçar o seu caminho”, disse-me Marco Paiva, ator, encenador e diretor artístico do projeto Crinabel Teatro, que assinala 30 anos de vida com o espetáculo “Uma Menina Está Perdida No Seu Século à Procura do Pai”, espetáculo criado a partir do romance homónimo de Gonçalo M. Tavares, em cena até hoje no Teatro Nacional D. Maria II e depois em digressão pelo resto do país. 

A conversa surgiu na sequência de uma reportagem (que é possível ver no site do jornal i) e depois de conversarmos acerca de um dos atores, utente da Crinabel. Nélson Moniz tem, nesta peça, um monólogo, durante o qual dificilmente se percebe o que diz, sendo a primeira tentação achar que não diz nada em concreto.

Mas não é assim. Nélson, tal como todos os outros atores destes grupo, leram, entenderam, discutiram e fixaram as palavras criadas por Gonçalo M. Tavares. Porque, para eles, são indiferentes os preconceitos e os paternalismos. Eles querem, isso sim, comunicar. E fazem-no como sabem e como podem. Mas fazem-no. E a nós compete-nos sabermos olhar para estas pessoas fora das caixinhas ditatoriais dos preconceitos.

Porque carga de água somos nós a ditar que as pessoas com deficiência não podem fazer aquilo que, eles próprios desejam e se sentem capazes de fazer? Que direito temos para o fazer? Cada vez acredito mais que projetos como este – e como o Dançando Com a Diferença – servem-nos tanto a nós, que assistimos, como a quem está no palco. Ou deveriam servir. Para que paremos de achar que temos o direitode poderosos que podem decidir pelos outros. O preconceito é, sem dúvida,a pior das deficiências.